26 jun, 2018
Os 630 migrantes resgatados ao largo da Líbia vaguearam pelo Mediterrâneo durante uma semana; recusado o desembarque por Itália e Malta, acabaram em Valência. Não há sinais de que nos próximos tempos, como desde há anos, estas multidões traumatizadas pela guerra, pela repressão, pela intolerância ou até pelas alterações climáticas abrandem em número e vontade de chegar ao velho mundo.
O problema dos refugiados, e em particular o da imigração para a Europa, tem décadas. Não foi inventado agora pelos nacionalismos xenófobos ou pelos populismos radicais. A questão está em que o assunto tende a tornar-se cada vez mais sério e politizado.
Os sinais de intolerância são claros. A extrema-direita de Matteo Salvini, agora no governo em Roma, já declarou o fecho da Itália ao “tráfico” de “carne humana”. Na Hungria, Viktor Orbán acaba de aprovar uma lei que ameaça com prisão quem quer que ajude imigrantes em situação irregular. A Áustria vai repor, uma vez mais, o controlo temporário de fronteiras. Na Alemanha, a CSU, parceira de governo de Merkel e aflita com a progressão eleitoral dos nacionalistas da AfD, já exige à chanceler que limite a entrada de imigrantes no país. Em França, Marine le Pen denuncia as “banlieues” de várias cidades que – como Molenbeek, nos arredores de Bruxelas – parecem “no-go zones” para ocidentais, tal a guetização e radicalização islâmicas que ali grassam.
E mesmo em Espanha, onde Pedro Sánchez permitiu que o “Aquarius” aportasse, já há quem se alarme com o efeito de chamada que esse gesto poderá ter no futuro próximo. Não vale a pena fingir que o problema não existe, e muito menos que ele é uma criação de políticos radicais antissistema.
Sim, o populismo xenófobo cavalga a crise dos refugiados – mas só o faz porque a islamização da Europa (a grande maioria dos refugiados é muçulmana) está em curso e porque a opinião pública europeia começa a votar a favor desses líderes intolerantes.
Em Portugal não há políticos populistas ou xenófobos, não só, mas também, porque não há fluxos significativos de migrantes (e os que aqui chegam querem, na verdade, ir para o norte da Europa). Velho estado-nação coeso e unitário, isolado no extremo mais longínquo do continente, o país pode contemplar sem alarme a questão e aplaudir sem reservas a hospitalidade pedida pelo ACNUR e pelas ONG’s. No centro e no leste da Europa, e também no sul latino mais contíguo ao Norte de África, o caso é diferente, para pior: as democracias começam a dar sinais de incapacidade para salvaguardarem identidades nacionais e modos de vida ocidentais que parecem ameaçados por uma islamização que não vem para se integrar e diluir, mas para criar uma vizinhança difícil, de comunidades que não se interrelacionam e que, por isso, se radicalizam. De acordo com estudos recentes, a população muçulmana na Europa pode triplicar até 2050 (no caso alemão, dos c. de 7% atuais para c. de 20%), quer pelas vagas de migrantes provenientes do Médio Oriente e de África, quer porque, por nossa culpa, o inverno demográfico europeu veio para ficar.
Há uma questão humanitária às portas da Europa, a que o continente e o mundo não podem voltar costas – sem dúvida. Mas do que poucos querem falar – e é isso que assusta os que votam e elege os xenófobos do nosso tempo – é de como se enfrenta o desafio da islamização europeia em curso (pela qual se infiltra o terrorismo) num continente de longa história cristã, com democracias que parecem paralisadas pelo relativismo e incerteza dos seus valores e do seu rumo.