26 mai, 2021
Quando as redes sociais ajudaram a eleger Barack Obama, nos EUA, ou a cavar a “sepultura mediática” de Pedro Passos Coelho, em Portugal, esse admirável mundo novo era mesmo admirável, e tudo o que ali se escrevia podia ser lido como uma genuína, saudável e responsável manifestação de democracia participativa. Entretanto, houve, ou há ainda, Trump, Bolsonaro, Orbán, Salvini, Abascal, Ventura e muitos outros, que o politicamente correto considera à margem da decência e a quem atribui todas as malfeitorias que se espalham nas redes sociais, agora olhadas como perigosos circuitos de desinformação e propaganda contra os (supostos) “bons”.
A UE, enredada nos seus labirintos político-sanitários e farta do “bas-fond” digital e das “fake news”, congeminou um «Plano Europeu de Ação contra a Desinformação», a que o governo português depressa aderiu, e transpôs para o burgo, com o PS e o PAN a proporem, e o parlamento a votar (com abstenções apenas do PCP, da IL e do Chega), a nova «Carta de Direitos Humanos na Era Digital».
Quando se junta no mesmo documento um direito abstrato apenas à boa informação, o combate à má informação e, portanto, para separar uma da outra, a necessidade de o Estado regulamentar tal matéria, está aberta a porta a muitas cambiantes do que há muitíssimo se conhece pela palavra “censura”. Seja de forma consciente (caso em que o governo está a pisar os limites da decência democrática), ou de forma inconsciente (caso em que o governo anda mal aconselhado), a dita Carta aproxima-se em vários aspetos do tipo de censura formal existente no Estado Novo, e ainda mais da censura ad hoc existente na quentura do PREC. O raciocínio é sempre o mesmo: o Estado tem o dever de proteger a sociedade do que a possa desenganar/intoxicar/desorientar, etc.; o Estado tem, por isso, de definir em que consiste a desinformação/mentira/falsidade, etc.; o Estado precisa, portanto, de leis/estruturas/meios para levar a cabo essa higienização verbal (e mental/moral); e o governo em exercício cuida de todas estas tarefas.
E hoje, como ontem, na atual vigência do que já vi chamado de “lápis-rosa”, como na nada saudosa vigência do conhecido “lápis-azul” (de que cor foi o lápis do COPCON/PCP em 1975?), a definição e limites do que se pode considerar desinformação é vaguíssima, e vaguíssima a identidade dos zeladores da “verdade”. Quem guarda quem nos guarda? Como poderemos defender-nos de quem vai, não se sabe com que intenções, censurar a designada desinformação? E em que consiste esta? Na mentira grosseira, factual, comprovável; ou na narrativa do que não convém ao poder? Para dar um exemplo elucidativo: as reportagens de Sandra Felgueiras, na RTP, são “estrume” (e desinformação) que precisa de ser varrido, ou são jornalismo produtor de factos que interessam… porque são verdadeiros? Eis o dilema – que para os mal-intencionados é uma ocasião para todas as arbitrariedades em proveito próprio. E já se viu que o governo PS, com o seu lastro de patrulhas ideológicas das esquerdas, tem tendência para querer “dar” em quem com ele se “mete”.
O problema da desinformação – que é real – não se combate com leis que dotem os governos, mesmo que democráticos, de capacidade jurídica e instrumentos efetivos para cercear o discurso público. Combate-se com a retidão do exemplo de quem governa, com bom jornalismo, com boa cultura cívica, com a promoção de um ambiente onde a dita desinformação, venha de onde vier, seja olhada por aquilo que ela é: uma mentira. Como de nada disto se cuidou ou cuida, resta escolher de que cor é o lápis e fixar os alvos que ele tem de riscar.