17 abr, 2024
Na história dos regimes políticos da contemporaneidade portuguesa - e antes da efeméride que o país vai celebrar na próxima semana - só a monarquia constitucional, no século XIX, chegara aos 50 anos, um marco de que a Primeira República ficou muito longe e a Ditadura (contada a partir de 1926 e transformada em Estado Novo em 1933) não atingiu. Numa vida humana, fazer 50 anos significa que se tem já mais passado do que futuro - a não que se chegue aos 100. Mas se é verdade que os 40 são a velhice da juventude, os 50 são a juventude da velhice, e nada impede que muitas coisas boas ainda estejam para vir. Já na vida de um regime político-social e de um país, meio século poderá ser pouco, ou muito, consoante ele ainda motivar perspetivas de futuro ou nostalgias do passado.
Todos os democratas devem nutrir simpatia pelo 25 de abril de 1974. A data foi um ponto de chegada de um processo vasto de transformação “liberalizadora” da sociedade portuguesa provindo da década de 1960, que a ditadura, a repressão e a censura não puderam evitar, e que a guerra em África e o imobilismo político (do último Salazar e do último Caetano) aceleraram. E foi, sobretudo, um ponto de partida. No “dia inicial, inteiro e limpo” sabia-se o que não se queria; faltava decantar o que se deveria querer. O projeto de uma democracia pluralista e pró-europeia teve de haver-se com a tentação ditatorial da extrema-esquerda comunista e terceiro-mundista. Ganhou aquela, depois do vórtice do PREC, e ainda bem. Foi em 1976 que o futuro começou, com a mais radical mutação identitária nacional em 500 anos de história: democrático, como desde o século XIX tentara, em vão, ser, Portugal deixou o império e abraçou o desafio - que foi um desígnio nacional - da Europa. Reviu a Constituição em 1982, civilizando a jovem democracia, ingressou na CEE em 1986, modernizando a sociedade, a economia e os valores, regozijou-se com Maastricht, em 1992, cumpriu como “bom aluno” os critérios do Euro e mirou-se no espelho do seu inegável sucesso na Expo’98, certame com que mostrou ao mundo como os portugueses são capazes do melhor… e em menos tempo do que muitos outros.
Quando o 25 de abril comemorou as bodas de prata, em 1999, tudo valera a pena e a alma não fora pequena. Todavia, depois das grandes ilusões, vieram as desilusões. Aos D’s do abril fundador (descolonização, democracia e desenvolvimento), como que sucederam outros D’s (dívida, défice e desemprego). As finanças estagnaram, a economia emagreceu, a política radicalizou-se, a sociedade deslaçou-se (e envelheceu), as mentalidades e os valores liquefizeram-se. É já hoje percetível que o presente século XXI contrasta negativamente com o último quartel do século XX português. Ainda assim, olhando as últimas cinco décadas, o balanço tem de ser positivo: o país está bastante melhor do que estava em 1974 - e todos os indicadores o mostram.
Isto dito - e deve ser dito, contra os nostálgicos do 24 de abril ou os radicais antidemocratas de 1975 - sobram-me perguntas, cuja resposta não tenho, mas que dariam jeito como bússola a quem nos guia. O Portugal de 2024 poderia estar (ainda) melhor do que o que está? Desconfio que sim. E se não está, onde foi que falhámos - quem, quando, porquê - traindo o ímpeto de abril? Em 1974, muitíssimo estava por fazer, e fez-se. Mas, desde há umas duas décadas, abrandou-se, parou-se, cismou-se, gastou-se e tribalizou-se o país. Não tinha de ser assim, ou só poderia ter sido assim (até porque a Europa e o mundo também mudaram para pior)? Se a efeméride servir para tentar responder a estas interrogações, a contemplação da história de 1974-2024 terá cumprido alguma missão cívica. É para isso que serve estudá-la.