27 abr, 2016
A Turquia acolhe, neste momento, mais de 700 mil crianças sírias em idade escolar. Metade delas não estão a ter acesso ao Ensino, embora o governo prometa usar parte do dinheiro dado pela União Europeia para criar novas instalações e empregar professores do seu país.
Estes números dão-nos, por um lado, uma ideia da escala do problema e, se fizermos um esforço, podem dar-nos também uma ideia da escala dos problemas novos que podem eventualmente emergir.
A estratégia europeia de ‘varrer’ o assunto dos refugiados para longe das suas fronteiras com maços de notas tem, naturalmente, algum efeito tranquilizador junto dos eleitorados de cada um dos chefes de Estado da União, mas isso acontece a troco de um reforço não questionado do poder relativo do presidente turco, Recep Erdogan, e do potencial desenvolvimento, a médio prazo, de crises resultantes dos naturais problemas de assimilação de um número tão alargado de estrangeiros num só país.
O reforço do poder de Erdogan reflete-se no já perceptível aumento do seu estatuto enquanto interlocutor da UE, na força negocial que revelou na questão dos refugiados, mas também no maior espaço de manobra que com tudo isto ganhou para gerir de forma ainda mais autoritária o país. As recentes afrontas à liberdade de expressão, como o encerramento (ou ocupação à força por forças policiais) de jornais relevantes ou a detenção de mais de duas mil pessoas (jornalistas, artistas, cartoonistas ou académicos) por ‘insulto ao presidente’ (incorrendo numa pena de prisão que pode ir até quatro anos), são um sinal claro de um novo espaço de manobra que Erdogan parece agora usar sem qualquer receio de censura por parte dos seus aliados europeus ou (diga-se a bem da verdade) norte-americanos.
O que a Europa está a fazer com os refugiados pode até eufemisticamente chamar-se ‘gestão de uma crise’ mas é, na sua essência, um processo de fuga a responsabilidade políticas e, sobretudo, morais. O ‘acordo’ com a Turquia representa o rasgar da convenção sobre refugiados de 1951, representa o exercício da política sem consideração pelas lições que a História nos ensinou no passado e significa, além disso, o renegar efetivo de quaisquer argumentos sobre a herança cultural cristã da união Europeia.
Como escrevia há dias Patrick Kingsley no The Guardian, o fechar de olhos à realidade (ao qual só parece resistir, por esta altura, o Papa Francisco), aumenta o risco de uma catástrofe ética na Europa e do retorno ao colapso moral dos anos 1930. Dar poder acrescido a líderes autoritários como Erdogan enquanto dentro de casa se encontram razões para o fomento da extrema Direita (como acontece agora na Áustria, por exemplo) é acender um rastilho. Um rastilho velho e com provas dadas.