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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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Não tarda nada... somos todos Orbán

11 jun, 2018 • Opinião de Luís António Santos


Uma União Europeia à deriva desvalorizou a emergência dos extremismos de Direita e não sabe agora como funcionar com eles no seu meio.

O novo governo italiano, nascido da aliança entre as ideias de extrema-Direita da Liga e o populismo do Movimento 5 Estrelas, começou a dar os primeiros sinais de uma alteração profunda na forma de atuar relativamente aos refugiados.

A recusa de entrada do Aquarius - um navio com cerce de 600 pessoas recolhidas no mar a bordo - em portos italianos, independentemente do que possa ainda vir a acontecer nos próximos dias, é uma espécie de primeiro indicador do cumprimento de um programa político que promete maior intransigência neste tópico.

Uma das figuras-chave deste novo executivo, Matteo Salvini, escreveu no Facebook: “Malta não acolhe ninguém. A França empurra as pessoas de volta para a fronteira. A Espanha defende as suas fronteiras com armas. A partir de agora, a Itália começará a dizer não ao tráfico de humanos e ao negócio da imigração ilegal”.

É curioso pensar como tudo mudou tão depressa na Europa em tão pouco tempo. Nos primeiros anos da atual década, um político como Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, apresentava-se no contexto transnacional com as suas ideias retrógradas sobre o lugar da mulher na sociedade, sobre o papel dos média, ou sobre cidadania e raça, como uma espécie de ‘ave rara’, uma sombra vinda de um passado tenebroso que a Europa já quase teria esquecido. A proposta política de Orbán não foi - percebe-se agora melhor - nunca entendida com seriedade pelos aparatos políticos ditos tradicionais de outros países da união e as suas cada vez menos dissimuladas posições xenófobas e/ou racistas nunca foram contraditadas com veemência. Curiosamente, o muito hábil Orbán desde cedo se apercebeu e aproveitou disso. Durante uma palestra em Bruxelas, em 2012, em que se insurgiu contra uma classe política que ‘só sabe pensar nos mercados’ disse algo muito curioso: “Temos que trabalhar em conjunto para a renovação da União Europeia, porque Bruxelas não pode continuar assim; a Hungria é, num certo sentido, um laboratório para a Europa”.

Estamos em 2018 e as ideias de Orbán são cada vez mais as ideias de outros políticos em países da União Europeia; ali perto da sua Hungria, o líder do CSU na Alemanha e o primeiro-ministro da Áustria são fãs confessos; em França, em Espanha e agora em Itália uma fórmula discursiva assente em ‘verdades’ simplistas e na transformação de regimes democráticos em ditaduras plebiscitárias ganha força indiscutível.

Uma União Europeia à deriva - com uma classe política que se habituou a servir melhor os interesses das grandes empresas e das entidades promotoras de fluxos financeiros do que dos seus cidadãos - desvalorizou a emergência destes extremismos de Direita e não sabe agora como funcionar com eles no seu meio. Continuar a atirar-lhes dinheiro para cima (como aconteceu com o acordo que fez com a Turquia sobre os refugiados e como acontece com os fundos que continua a enviar para a Hungria apesar da adopção de políticas xenófobas, racistas e anti-democráticas) não é solução.

Num filme de Ingmar Bergman, O ovo da serpente (1977), retrata-se um tempo - década de 1930 - em que a sociedade alemã gradualmente se ‘habituou’ a um enquadramento moral cada vez mais rarefeito capaz de, no fim, aceitar até o extermínio em massa. Não estaremos ainda aí, de novo, mas o caminho aberto por Orbán e agora seguido também na Itália é bem claro e não deixa dúvidas. Assistir de longe, em silêncio, a tudo isto não é uma opção aceitável.

Comentários
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  • rute
    12 jun, 2018 lisboa 17:40
    Há 20 anos atrás varias correntes de pensadores prediziam que a europa iria terminar por se tornar num continente de DITADURAS com abolição das democracias.Com razão ou sem ela é o que parece que vai acontecer por rebelião generalizado dos apolíticos perante a crueza da EU.Vai haver cisões e alianças priveligiadas com EUA e Russia.Só é cego quem não quer ver.
  • luis
    12 jun, 2018 lisboa 16:54
    O GRANDE EXODO ou SANGRIA MIGRATÒRIA que se verifica tem origem e contribuição da NET , GUERRAS INTESTINAS alimentadas por interesses ´de matérias primas ,geo-estratégicos,religiosos,etnicos etc pra o qual contribuíram países europeus e não europeus.Quem está a pagar as favas são os europeus,os estados europeus nucleares etc snrs das guerras deveriam acolher todos os migrantes.Nao se vêm migrações em massa para RUSSIA,EGITO;ARABIA,CHINA;INDIA,IRAQUE,IRAO,LIBIA,FAIXA DE GAZA etc.Porque será?A ONU e os seus três DDD tb nada resolveram ou resolvem,sem o calço dos EUA os três DDD volatilizaram-se depois de tanto conflito apoiar.
  • benjamin
    12 jun, 2018 famalicão 14:05
    Je suis ...Orban!
  • MASQUEGRACINHA
    11 jun, 2018 TERRADOMEIO 18:08
    Muito bom. Acrescentaria apenas a reação de Bruxelas, com o porta-voz de serviço, em tom da pai zangado, a dizer que "as partes tinham que se entender", referindo-se à Itália e a Malta. Está visto que Bruxelas não é, nem se considera, parte no assunto. E, ao cenário que pinta, temos que juntar o entusiasmado e expresso apoio à extrema-direita europeia do embaixador dos EUA na Alemanha... Tudo o que seja para dividir no presente é excelente, nem que seja acordar o Diabo, que o futuro logo se verá. A Espanha avançou para receber o barco, este barco está resolvido. Talvez o que Itália fez (por terrível que seja) fosse, afinal, necessário, para que não continuemos a, como diz, "assistir de longe". Porque é de longe que assistimos, não é verdade? Quem assiste de perto é a Itália, Malta, Grécia... E também não me parece que seja opção aceitável continuarmos a achar que é um "problema deles" e do "direito marítimo internacional", a resolver entre "as partes". Ou somos também "partes" no problema, ou não podemos criticar as soluções que os outros encontrem para o resolver. Onde param, afinal, os tais (míseros) 160 mil que iriam ser recolocados em países europeus?
  • Carlos Batalha
    11 jun, 2018 Massamá 15:50
    "Não estaremos ainda aí, de novo,(..)". Ainda bem que tem um querer optimista. Mas a população alemã, apesar da carestia pós- I guerra, era das mais "cultas", mas essa mesma carestia deu os seus frutos (negros e pintados com uma suástica, como sabe). Agora, em que é "senso comum" que daqui para a frente nenhuma geração não vai ter o nível de vida que tiveram as últimas três, se isso choca e revolta os indígenas da europa ocidental, imagine pata quem acabou de entrar, que antecipava entrar no "european dream". E afinal, deparam-se com um quintal a cheirar a movo e a tecnocratas.