11 jun, 2018
O novo governo italiano, nascido da aliança entre as ideias de extrema-Direita da Liga e o populismo do Movimento 5 Estrelas, começou a dar os primeiros sinais de uma alteração profunda na forma de atuar relativamente aos refugiados.
A recusa de entrada do Aquarius - um navio com cerce de 600 pessoas recolhidas no mar a bordo - em portos italianos, independentemente do que possa ainda vir a acontecer nos próximos dias, é uma espécie de primeiro indicador do cumprimento de um programa político que promete maior intransigência neste tópico.
Uma das figuras-chave deste novo executivo, Matteo Salvini, escreveu no Facebook: “Malta não acolhe ninguém. A França empurra as pessoas de volta para a fronteira. A Espanha defende as suas fronteiras com armas. A partir de agora, a Itália começará a dizer não ao tráfico de humanos e ao negócio da imigração ilegal”.
É curioso pensar como tudo mudou tão depressa na Europa em tão pouco tempo. Nos primeiros anos da atual década, um político como Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, apresentava-se no contexto transnacional com as suas ideias retrógradas sobre o lugar da mulher na sociedade, sobre o papel dos média, ou sobre cidadania e raça, como uma espécie de ‘ave rara’, uma sombra vinda de um passado tenebroso que a Europa já quase teria esquecido. A proposta política de Orbán não foi - percebe-se agora melhor - nunca entendida com seriedade pelos aparatos políticos ditos tradicionais de outros países da união e as suas cada vez menos dissimuladas posições xenófobas e/ou racistas nunca foram contraditadas com veemência. Curiosamente, o muito hábil Orbán desde cedo se apercebeu e aproveitou disso. Durante uma palestra em Bruxelas, em 2012, em que se insurgiu contra uma classe política que ‘só sabe pensar nos mercados’ disse algo muito curioso: “Temos que trabalhar em conjunto para a renovação da União Europeia, porque Bruxelas não pode continuar assim; a Hungria é, num certo sentido, um laboratório para a Europa”.
Estamos em 2018 e as ideias de Orbán são cada vez mais as ideias de outros políticos em países da União Europeia; ali perto da sua Hungria, o líder do CSU na Alemanha e o primeiro-ministro da Áustria são fãs confessos; em França, em Espanha e agora em Itália uma fórmula discursiva assente em ‘verdades’ simplistas e na transformação de regimes democráticos em ditaduras plebiscitárias ganha força indiscutível.
Uma União Europeia à deriva - com uma classe política que se habituou a servir melhor os interesses das grandes empresas e das entidades promotoras de fluxos financeiros do que dos seus cidadãos - desvalorizou a emergência destes extremismos de Direita e não sabe agora como funcionar com eles no seu meio. Continuar a atirar-lhes dinheiro para cima (como aconteceu com o acordo que fez com a Turquia sobre os refugiados e como acontece com os fundos que continua a enviar para a Hungria apesar da adopção de políticas xenófobas, racistas e anti-democráticas) não é solução.
Num filme de Ingmar Bergman, O ovo da serpente (1977), retrata-se um tempo - década de 1930 - em que a sociedade alemã gradualmente se ‘habituou’ a um enquadramento moral cada vez mais rarefeito capaz de, no fim, aceitar até o extermínio em massa. Não estaremos ainda aí, de novo, mas o caminho aberto por Orbán e agora seguido também na Itália é bem claro e não deixa dúvidas. Assistir de longe, em silêncio, a tudo isto não é uma opção aceitável.