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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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"Votem em mim - ouçam esta mensagem (ou será ao contrário?)"

01 out, 2019 • Opinião de Luís António Santos


Os tempos de antena cumprem uma lei que os criou com uma intenção genuinamente benigna. Mas já não servem ninguém.

Os tempos de antena são, claramente, de outro tempo. Nascidos em momento de solidificação da Democracia e, sobretudo, num enquadramento de escassez informativa e de meios, representaram, em muitas circunstâncias, oportunidades únicas de contacto com audiências mais vastas para algumas forças políticas.

Mas, como dizia a canção, ‘o vento mudou’ - temos novas plataformas, temos maior facilidade de acesso, vivemos rodeados de informação - e aqueles segmentos de divulgação política não intermediada são hoje muito menos relevantes. São, aliás, momentos sem qualquer interferência no decorrer das campanhas eleitorais, a menos que por uma qualquer razão (geralmente de natureza não positiva) alguém os ponha a circular nas redes e integrem circuitos virais. E isso acontece muito mais com o vídeo (todos nos lembramos dos ‘Tesourinhos das Autárquicas’) do que com o som.

São, apesar de tudo isto, objetos interessantes. Numa análise muito superficial a 86 tempos de antena em áudio, com durações a variar entre os 30 segundos e os cinco minutos e produzidos por 19 forças políticas distintas fixei alguns dados curiosos:

1. Há trabalhos executados com qualidade profissional e há trabalhos num registo completamente descuidado; o que os diferencia não é apenas a dimensão do partido (PAN, Livre e Iniciativa Liberal estão entre os exemplos de melhor adequação ao meio áudio);

2. É muito clara a predominância de vozes de narração masculinas; nos dois principais partidos - PS e PSD - parece até estar em curso uma disputa privada pela voz mais grave (grave demais até, diria eu); A CDU, o Livre, a IL e o MAS fazem um esforço muito sério de paridade de género e o PNR é o único que assume uma narração principal feminina;

3. As escolhas para música de fundo variam; temos o ‘épico-mobilizador’ (mais usado pelo PS e PSD), os ‘sons atmosféricos de biblioteca de acesso livre na net’ (usados pelo MPT ou o PAN), variações de música popular (RIR, por exemplo), tentativas de incursão em ‘música jovem’ (o quase-techno nas aberturas do PDR e o piscar de olho ao pop dos anos 1990 da Iniciativa Liberal – ia jurar que aquilo parece BAN, do João Loureiro), os hinos próprios (alguns, bem conseguidos, como o fado do Livre, outros, a fazer lembrar uma daquelas baladas melosas de novela, como o da Aliança); anotei duas exceções dignas de referência – o PPM não usa qualquer som para além da voz humana no segmento que ouvi e o PCTP-MRPP recupera ‘velhos clássicos’ (talvez com origem em vinil), como as músicas do coro popular ‘O Horizonte é Vermelho’;

4. As mensagens...ah, as mensagens; temos de tudo – ‘gente anónima e diferente’, ‘criada a pulso por artesãos’, a quem ‘não faltam razões para sonhar’ com quase tudo menos ‘ser noiva de António Costa’; há ‘a Esquerda insubmissa’ e há quem diga que ‘é de extrema necessidade colocar a Direita nacional da AR’; há quem diga não ser ‘eco-friendly nem eco-oportunista’ e há quem pense no ‘nobre povo sofredor’.

Os tempos de antena cumprem uma lei que os criou com uma intenção genuinamente benigna. Mas já não servem ninguém. Representam - sobretudo para as forças de menor dimensão - um gasto adicional de recursos com retorno incerto e correm o risco de se tornar, para os cidadãos eleitores, mais um sinal do distanciamento entre os agentes políticos e as dinâmicas da sua atual vida concreta. Há, certamente, formas mais flexíveis e eficientes de garantir o acesso a um leque alargado e plural de visões sobre o nosso destino comum.

Comentários
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  • Ayres esteves
    02 out, 2019 Viseu 15:22
    Maria Cidália Guerreiro, cabeça de lista do PCTP/MRPP por Lisboa, considera que ser um partido pequeno em Portugal não é fácil e nunca foi, sobretudo porque têm de “remar contra o monopólio da comunicação social nas mãos da burguesia e dos seus partidos”.