01 out, 2019
Os tempos de antena são, claramente, de outro tempo. Nascidos em momento de solidificação da Democracia e, sobretudo, num enquadramento de escassez informativa e de meios, representaram, em muitas circunstâncias, oportunidades únicas de contacto com audiências mais vastas para algumas forças políticas.
Mas, como dizia a canção, ‘o vento mudou’ - temos novas plataformas, temos maior facilidade de acesso, vivemos rodeados de informação - e aqueles segmentos de divulgação política não intermediada são hoje muito menos relevantes. São, aliás, momentos sem qualquer interferência no decorrer das campanhas eleitorais, a menos que por uma qualquer razão (geralmente de natureza não positiva) alguém os ponha a circular nas redes e integrem circuitos virais. E isso acontece muito mais com o vídeo (todos nos lembramos dos ‘Tesourinhos das Autárquicas’) do que com o som.
São, apesar de tudo isto, objetos interessantes. Numa análise muito superficial a 86 tempos de antena em áudio, com durações a variar entre os 30 segundos e os cinco minutos e produzidos por 19 forças políticas distintas fixei alguns dados curiosos:
1. Há trabalhos executados com qualidade profissional e há trabalhos num registo completamente descuidado; o que os diferencia não é apenas a dimensão do partido (PAN, Livre e Iniciativa Liberal estão entre os exemplos de melhor adequação ao meio áudio);
2. É muito clara a predominância de vozes de narração masculinas; nos dois principais partidos - PS e PSD - parece até estar em curso uma disputa privada pela voz mais grave (grave demais até, diria eu); A CDU, o Livre, a IL e o MAS fazem um esforço muito sério de paridade de género e o PNR é o único que assume uma narração principal feminina;
3. As escolhas para música de fundo variam; temos o ‘épico-mobilizador’ (mais usado pelo PS e PSD), os ‘sons atmosféricos de biblioteca de acesso livre na net’ (usados pelo MPT ou o PAN), variações de música popular (RIR, por exemplo), tentativas de incursão em ‘música jovem’ (o quase-techno nas aberturas do PDR e o piscar de olho ao pop dos anos 1990 da Iniciativa Liberal – ia jurar que aquilo parece BAN, do João Loureiro), os hinos próprios (alguns, bem conseguidos, como o fado do Livre, outros, a fazer lembrar uma daquelas baladas melosas de novela, como o da Aliança); anotei duas exceções dignas de referência – o PPM não usa qualquer som para além da voz humana no segmento que ouvi e o PCTP-MRPP recupera ‘velhos clássicos’ (talvez com origem em vinil), como as músicas do coro popular ‘O Horizonte é Vermelho’;
4. As mensagens...ah, as mensagens; temos de tudo – ‘gente anónima e diferente’, ‘criada a pulso por artesãos’, a quem ‘não faltam razões para sonhar’ com quase tudo menos ‘ser noiva de António Costa’; há ‘a Esquerda insubmissa’ e há quem diga que ‘é de extrema necessidade colocar a Direita nacional da AR’; há quem diga não ser ‘eco-friendly nem eco-oportunista’ e há quem pense no ‘nobre povo sofredor’.
Os tempos de antena cumprem uma lei que os criou com uma intenção genuinamente benigna. Mas já não servem ninguém. Representam - sobretudo para as forças de menor dimensão - um gasto adicional de recursos com retorno incerto e correm o risco de se tornar, para os cidadãos eleitores, mais um sinal do distanciamento entre os agentes políticos e as dinâmicas da sua atual vida concreta. Há, certamente, formas mais flexíveis e eficientes de garantir o acesso a um leque alargado e plural de visões sobre o nosso destino comum.