25 jan, 2022
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À entrada para a primeira semana de campanha eleitoral tivemos, durante praticamente um dia, um ‘caso’ em torno do tweet escrito por Rui Rio sobre a decisão de António Costa votar antecipadamente no Porto.
Rio escreveu: “arranjou uma forma airosa de evitar ter de fazer o que sabe que não é bom para Portugal; ter de votar nele próprio. Chapeau!”. As televisões apressaram-se a falar-nos do tweet e a dar-nos as reações de dirigentes de outras forças políticas durante parte substancial da manhã e da tarde, algumas delas apontando o aparente desacerto entre a realidade e a sugestão do líder do PSD.
Teve, portanto, que ouvir-se, depois, Rui Rio, a dizer que o tweet seria uma piada - ‘mas já não se pode fazer uma piada?’
No arranque da segunda semana, tivemos a entrada em cena dos animais de estimação. Uma vez mais Rio assumiu a dianteira, com o seu gato Zé Albino, a procurar o dono atrás de um ecrã de computador ou a mostrar-se ‘desolado’ com a aproximação entre PS e PAN. E uma vez mais os tweets assumiram, durante algum tempo, lugar central na produção jornalística daqueles dias (outros líderes reagiram, falaram dos seus próprios animais, dando origem a mais comentários e por aí adiante, numa espiral quase sem fim).
Estes episódios merecem, a meu ver, uma análise a dois níveis.
Em primeiro lugar, respondendo à pergunta do líder do PSD – ‘mas já não se pode fazer uma piada?’ – é óbvio que pode. Pode ele e podem todas e todos os outros dirigentes partidários. Sempre que quiserem ou lhes apetecer.
Está bem estudado o efeito tendencialmente positivo destes momentos aparentemente não planeados no estabelecimento de maior proximidade entre candidatos e eleitores e estão até já consensualizadas algumas formas de o fazer com melhores resultados (os animais de estimação são, se quisermos, ‘um clássico’ – o/a líder que, afinal, ‘é como nós’).
legislativas 2022
A poucos dias das eleições, a luta pelos lugares c(...)
Quem não pode, sobretudo sem enquadramento, dedicar tanta atenção a esse tipo de iniciativas é o Jornalismo. As coberturas noticiosas das campanhas eleitorais são, em grande medida, relatos sobre o que os vários partidos vão fazendo durante os dias (a agenda é, portanto, muito ditada pelas máquinas de propaganda) mas precisam de ser, também, exercícios de alguma interferência crítica com esse planeamento. Andar para cá e para lá, durante dias inteiros, com o tweet do gato ou do cão é um enorme desperdício de recursos e um abuso da paciência dos leitores/ouvintes/telespectadores.
Em segundo lugar, porque é que estamos a falar de tweets? A origem destes fluxos informativos não é, a meu ver, casual. O Twitter é uma rede de popularidade limitada, em termos globais, no nosso país, mas na qual está quase toda a classe política e também um número muito substancial de jornalistas.
Um estudo de acompanhamento das atividades da campanha eleitoral nas redes sociais, que está a ser desenvolvido por um grupo de investigadores do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (no qual participo e cujos relatórios preliminares podem ser acompanhados aqui) sugere que, no contexto nacional, as ‘conversas’ numa rede como o Twitter são, em grande medida, exercícios em circuito fechado, limitados a grupos com relações de grande proximidade (pessoal ou ideológica). Ou seja, um tweet só ganha, de facto, uma projeção extraordinária quando abandona a rede e é promovido a tema de interesse em plataformas mediáticas mais tradicionais.
Temos, portanto, em resumo, cães e gatos nos noticiários em tempo decampanha eleitoral muito disputada porque isso beneficia as estratégias de alguns agentes políticos mas, também, porque o Jornalismo sobrevaloriza informações recolhidas nas redes sociais e as transcreve praticamente sem filtro, sem juízo de valor, sem critério.