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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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​O que podemos guardar desta campanha?

08 mar, 2024 • Opinião de Luís António Santos


O que ficou de fora da campanha diz muito sobre o que somos e sobre o que não sabemos querer ser.

A campanha que agora chega ao fim deixará, independentemente da escolha que fizermos no domingo, algumas marcas distintivas que podem, se observadas em conjunto, sinalizar o que muda / pode mudar na política nacional.

Em primeiro lugar, creio que houve - por parte de quase todas forças em disputa - um reforço de uma tendência crescente de personalização da ação política. Não é coisa nova, bem sabemos, isto de tornar a campanha uma luta entre indivíduos, mas creio que o que pudemos presenciar nas últimas semanas aprofundou o modelo entre nós. Tivemos candidatos que, de forma deliberada, tornaram muito difícil (ou mesmo impossível) a realização de entrevistas a jornalistas, mostrando-se, em troca, muito mais disponíveis para "presenças" em formatos de entretenimento, quer nas TVs, quer em canais de áudio (podcast) ou vídeo de personalidades que atraem muitos seguidores. Houve, portanto, a opção deliberada de estar o menos possível na presença de perguntas de jornalistas (pouco mais vimos para além dos programados debates) e de estar o mais possível na presença de conversas muito simpáticas (muito benignas) sobre os seus interesses pessoais, a família, ou aventuras do seu Passado. E nós, os eleitores, fomos colocados perante políticos que entram pela nossa vida adentro, em momentos de lazer, como entram, no dia seguinte, desportistas de sucesso, músicos com histórias de superação ou alguém que foi famoso e teve um período menos bom na vida. Na amálgama de emoções intensas que esses formatos nos proporcionam, lá navegaram, com muito mais intensidade do que em eleições anteriores, os nossos políticos (e que bem que estiveram todos, não foi?). Precisamos de não presumir que esta "brincadeirização" da política é coisa sem custos. Vamos, de certeza, ajustar os parâmetros para avaliar a confiança e, sobretudo, podemos começar a presumir que temos direito a observar mais de perto a vida privada de agentes públicos e a exercer juízo sobre ela. E talvez isso não seja muito saudável.

Em segundo lugar, a chegada de uma presença internacional à produção de conteúdos incorretos ou deliberadamente falsos e à sua disseminação nas redes sociais é agora efetiva. É algo que só por ingenuidade podíamos pensar que não tocaria o extremo Oeste da Europa, sobretudo se considerarmos o caráter transnacional da operação. O importante caminho já feito pela União Europeia para exigir ações mais enérgicas por parte das grandes plataformas não vai ser, no curto e médio prazo, solução para este problema complexo e vamos depender muito uns dos outros para – em ondas de prudência que contrariem a vertigem da mentira - nos irmos acautelando mutuamente.

Em terceiro lugar, a urgência de discutir com sentido de Estado alterações ao sistema eleitoral que permitam um reforço da participação democrática. O tema lá voltou a aparecer, mas uma vez mais num momento não apropriado, a proximidade de eleições. Há, claramente, necessidade de discutir a sério a existência de um círculo nacional de compensação (já existente noutros países e também nos Açores). É inaceitável que, também na valia específica do voto individual, se reforcem as tendências de profundo desequilíbrio entre o Interior e o Litoral do país; nenhum dos dois grandes partidos - PS e PSD - consegue convencer-nos dos seus argumentos (muito fraquinhos) para manter tudo como está. Há, também a necessidade de ampliar as opções de voto, incluindo mais variantes de mobilidade e, também, uma qualquer opção em formato digital. É pouco sério assistirmos - como vai acontecer, quase de certeza, ao final da tarde de domingo - a um desfile de políticos lamentando o nível significativo de abstenção e, depois, ver o assunto esquecido logo a seguir à tomada de posse do novo Parlamento.

Em quarto e último lugar, o que ficou de fora da campanha diz muito sobre o que somos e sobre o que não sabemos querer ser. A Educação foi muito pouco debatida (para lá das questões laborais), a Ciência e a Investigação foram completamente esquecidas e até mesmo o Ambiente teve um aparecimento distorcido porque relacionado quase exclusivamente com episódios menos dignos. Os nossos políticos acharam que seria mais importante discutir as preocupações da gestão corrente - salários, habitação, impostos - e deixaram de lado conversas sobre o que precisamos de querer ser. Ficarão, de certeza, para a próxima, não é?

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