16 jan, 2017
Deve haver poucos grupos profissionais mais propensos à autoflagelação e à catarse do que o dos jornalistas. Não lhe chamo classe, tais são as diferenças e assimetrias que o atravessam. Mesmo o código deontológico, que é formalmente o referencial comum, é interpretado, na acção quotidiana, de modos bem divergentes, como se viu nos últimos dias no 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses – um evento que, saudavelmente, foi transmitido pela internet.
Quem diz que não há crise do jornalismo não deve ter estado naquele Congresso ou nega o que lá foi dito e revelado. Um sintoma: os jornalistas não conseguiam organizar uma reunião magna desde o ‘pré-histórico’ ano de 1998. Desde então, a par de alguns sinais de esperança, as redacções digitalizaram-se, os modelos de negócio das empresas foram abalados, as práticas mediáticas dos cidadãos e das audiências alteraram-se, a profissão encolheu e depauperou-se e cresceu o distanciamento entre os jornalistas e a sociedade. Um vendaval interno e externo que advém de fatores económicos e tecnológicos, mas também socioculturais e de valores.
É um sistema e um modo de fazer jornalismo a ruir. Não é, porém, a morte do jornalismo. Mas que tem feito estragos, tem - para lá do que a dignidade humana pode admitir. Contudo, importa dizer que, no panorama instalado, uma vitória dos jornalistas portugueses começa por ser terem conseguido realizar o congresso: estarem juntos, ouvirem-se, tomarem o pulso às situações, construir uma consciência partilhada da situação, passo crucial para unir esforços e enfrentar os problemas, tendo de vencer, aqui e ali, a resistência daqueles que não são capazes de descolar de modelos e soluções do passado.
Um dos aspectos mais positivos e promissores deste Congresso passou-se ao lado da sala principal do Cinema S. Jorge: aí, sob o acompanhamento e direcção de jornalistas e de docentes de jornalismo, cerca de 80 estudantes de dez escolas superiores viveram o congresso a noticiá-lo e cobri-lo em diferentes plataformas. Para quem quer ser jornalista, não podia haver melhor experiência.
Foi um banho de realidade e de testemunho vivo de assunção de responsabilidades para com situações e práticas inaceitáveis, e também de manifestação da coragem, resiliência e luta pela liberdade de informar de tantos jornalistas que não se rendem àqueles que os querem açaimar, de dentro e de fora da profissão. [continua]