14 set, 2015 • Manuel Pinto
A Europa, que tanto batalhou contra os muros e ‘cortinas de ferro’, ergue agora novos muros e barreiras, de arame farpado ou não, para tentar conter o caudal humano que em desespero a demanda, em busca de paz e de pão.
Foi a crueza das imagens e a reacção solidária de milhares de pessoas e ONG que obrigaram os dirigentes políticos a recuar na sua falta de visão e insensibilidade. Nesse testemunho de acolhimento a quem foge à devastação tem-se destacado (desde Lampedusa) o Papa Francisco e líderes europeus de outras Igrejas, em demarcação clara de políticos que até se serviram das origens cristãs da Europa para virar o Evangelho às avessas, no intuito de travar a entrada dos refugiados. Veja-se o tempo que as lideranças europeias demoraram a reunir-se para tentar uma resposta comum à crise. Quando o assunto são os interesses do capital financeiro são capazes de reuniões em escassas horas e de trabalhar pela noite dentro.
A urgência tem de ser colocada no seu devido lugar: salvar vidas e tratar com humanidade quem chega; combater os que se aproveitam da situação para explorar os refugiados; encontrar soluções para terminar com os conflitos e problemas que estão na origem do êxodo.
A Europa está mergulhada numa situação que é um desafio ao seu presente e ao seu futuro. Tem aqui uma oportunidade para pôr à prova a solidariedade interna (situações muito díspares entre regiões) e externa (a interdependência torna também nossos os conflitos que pareciam ser dos outros). Mas tem de se repensar quanto à lógica das suas políticas económicas e sociais, sob pena de fazer acirrar as divisões e despertar nacionalismos serôdios que sabemos onde acabam.
Julgo, assim, que para lá das iniciativas a que a emergência obriga, vai ser preciso trabalhar com um fôlego mais largo, que passa pelo investimento em duas frentes importantes: por um lado, na qualidade da informação que chega ao espaço público, combatendo os boatos e a desinformação e, sobretudo, dando escala e enquadramento à reportagem; por outro lado, apostando em dimensões que hoje a educação tem vindo a perder de vista: a relação com os outros, sobretudo os diferentes; a atenção crítica ao que se passa à nossa volta; a participação no bem comum; o diálogo intercultural. Contra toda a lógica, urge desfazer os muros e construir pontes.