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Da gruta da Tailândia às ruas da Nicarágua

16 jul, 2018 • Opinião de Manuel Pinto


Precisamente no dia em que começou a libertação dos miúdos tailandeses, forças policiais e hordas de paramilitares mascarados apoiantes de Ortega deixavam mais 21 mortos em várias partes da Nicarágua.

Um dos grandes acontecimentos que conheceu desfecho feliz na semana que passou foi o resgate do grupo de adolescentes futebolistas que ficaram bloqueados pelas águas numa gruta da Tailândia. Enquanto nos estádios da Rússia prosseguia o ‘galáctico’ campeonato do mundo, uns miúdos desconhecidos resistiam à fome, à escuridão e ao medo, até serem descobertos e trazidos à luz do dia.

A história tinha todos os ingredientes para o destaque nos media: a fragilidade dos protagonistas; o emaranhado e a inacessibilidade das cavernas; a luta contra o tempo e a iminência da tragédia; a coragem dos mergulhadores e o sucesso do salvamento. Todos tínham alguém com quem se identificar. Não faltaram as chuvas da monção para agigantar o risco e agudizar o clímax.
Mas dei comigo a perguntar: o que é, afinal, um acontecimento? O que é importante e, por isso, not(ici)ado pelos meios de comunicação ou, antes, aquilo que estes meios tornam notável e é, por isso, percebido como importante?
Precisamente no dia em que começou a libertação dos miúdos tailandeses, forças policiais e hordas de paramilitares mascarados apoiantes de Ortega deixavam mais 21 mortos em várias partes da Nicarágua. Subiam para perto das três centenas os que em três meses caíram por contestar, de um modo geral pacificamente, um regime que diz defender o povo, mas que boa parte deste quer que se vá embora. Ao longo da semana que passou, a escalada levou os orteguistas a agredir os bispos de Manágua e o próprio núncio apostólico, na sua actividade de solidariedade e mediação. E nesta sexta-feira não hesitaram em atacar com armas pesadas estudantes refugiados em instalações da paróquia da Divina Misericórdia.
Quem acompanha o que se passa neste que é considerado o país mais pobre da América central rapidamente conclui que o poder instalado há largos anos tenta esmagar a revolta do povo através de mortes selectivas, de raptos e prisões, de ataques surpresa, de abate de líderes da contestação. Ainda nesta sexta-feira dezenas de milhares de manifestantes mostraram, nas ruas da capital, não estar dispostos a ceder.
A cobertura mediática desta preocupante rutura social e política na Nicarágua mostra-se em geral preguiçosa e burocrática. Nada que se compare com o que se passou na Tailândia. É certo que é mais difícil de cobrir. Mas não faltam, também neste caso, os motivos e até os ingredientes de que os media internacionais acham que necessitam para voltar para lá as suas câmaras.

“Na Nicarágua há um Estado armado que aplica uma política de terror contra um povo desarmado que apenas se manifesta pacificamente”, dizia há dias o corajoso bispo auxiliar de Manágua. Os media, esses, precisam de um banho de sangue para desempenhar o seu papel.

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