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Incubando o ovo da serpente

21 mai, 2018 • Opinião de Manuel Pinto


Talvez não espante muito que quem anda (e se deixa envolver) nas guerras e paixões clubísticas tenha mais propensão para tolerar sintomas e menosprezar sinais de alarme.

Os acontecimentos violentos e organizados na Academia de Alcochete deixaram aparentemente meio mundo em estado de choque. O caso não é para menos. Seria, contudo, errado tomá-los como caso isolado e extraordinário, que passará ao esquecimento, quando a temperatura descer. Tudo indica ser prudente e necessário tomá-los como sintoma grave de um clima que há bastante tempo se tem vindo a desenvolver no campo desportivo, que não apenas no futebol.

O facto de vários nomes conhecidos terem dado cobertura, ao longo dos últimos anos, a comportamentos e palavras incendiárias do presidente do Sporting tem sido verberado e denunciado. Na verdade talvez não espante muito que quem anda (e se deixa envolver) nas guerras e paixões clubísticas tenha mais propensão para tolerar sintomas e menosprezar sinais de alarme (esta esquizofrenia entre uma vida social ‘normal’ e a militância cega por uma causa não é, de resto, nada de verdadeiramente novo, do ponto de vista histórico).

A mim preocupa-me que quem deveria estar atento e agir perante o desenvolvimento daquilo que pode ser visto como a incubação do ovo da serpente - hoje com múltiplos e preocupantes sintomas em diferentes partes do mundo - olhe para estes casos e não veja o risco e alcance que comportam. E há três entidades que deveriam assumir aqui as suas responsabilidades. A primeira é a dos centros de investigação em ciências sociais e humanas, a quem cabe ajudar-nos a conhecer melhor as sociedades, incluindo os seus porões. A segunda são os meios de comunicação social, que fariam bem em ligar os focos para realidades e situações menos visíveis e compreensíveis, em vez de dissecarem e debaterem até à exaustão o sexo dos anjos. A terceira é o poder político que, em vez de instância que acautela e previne o risco, está ele próprio enterrado em - quando não cativo de - fenómenos como o clubismo e os interesses que manipulam o desporto. Todas estas instâncias têm os seus alibis. Mas também têm as suas responsabilidades.

Enfim, convocando aqui um notável texto de Adriano Miranda no Público de ontem (“Futebol, o espelho do mundo que temos construído”), responsabilidades (e alibis) têm também os pais e educadores que, criticando certamente os jagunços de Alcochete, andam numa fona a fazer dos seus rebentos craques de um espectáculo que de desporto tem cada vez menos.

Comentários
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  • MASQUEGRACINHA
    22 mai, 2018 TERRADOMEIO 18:16
    Das responsabilidades da comunicação social e da política como zelosas chocadeiras de ovos de serpente e de cuco, nem é necessário muito mais palavreado, basta o que nos entra pelo olhos e ouvidos. Mas já quanto à responsabilidade dos centros de investigação em ciências sociais e humanas, não percebo muito bem que falha lhes possa apontar: desde há mais de um século que se dedicam, exactamente, a esgravatar esses tais porões de que fala. E a esgravatá-los a fundo, ovos de serpente e cuco, política, comunicação social, desporto, futebol, hooligalismo - até mesmo os fenómenos de reprodução da imbecilidade humana, em rebentos que proliferam neste caldinho choco. Mas é preciso conhecer essas investigações, claro, ler nem que seja uns abstracts, para botar discurso sobre eventuais responsabilidades num certo estado de coisas. Portanto, aqui no caso em concreto, ou é a ignorância a falar, o que não me parece; ou é uma tentativa de diminuir responsabilidades, partilhando-as. Acho que seria de todo mais útil analisar o que de facto interessa: a política e a comunicação social, seu papel e interesses neste desastre a que assistimos. Nessa análise, recorrer aos estudos sociais, que estão sempre actualizados, sobre o fenómeno futebol e seus entornos, também seria útil. A reprodução da estupidez humana é estudada pela psicologia social - e, no que toca aos futebóis, é um epifenómeno, nunca uma causa. Ou é assim, com seriedade e isenção na análise, ou é conversa de chocadeira.
  • Diogo
    21 mai, 2018 Madalena 20:11
    Boa tarde . Hoje em dia , face aos atuais acontecimentos sociais e por leva também humanos no sentido do desenvolvimento , é por mim considerado normal que se queira para os filhos o melhor dos melhores . Numa sociedade portuguesa rotulada de competitiva , que não é , o futebol é cada vez mais um veiculo para alcançar supostos bens financeiros e o consequente reconhecimento social - á fama . Se me perguntarem se considero que este aumento de importância dada ao futebol , deveria ser ao desporto , espelha o pouco aumento qualitativo da mente humana á todos os níveis , respondo que não certamente . Virando para uma opinião sobre o futebol dos dias de hoje , noto que este está cada vez mais pobre . Em Portugal á única forma da atrair multidões é á criação de inverdades e conflitos , funcionando apenas em três clubes . Já á qualidade de jogo essa é pobre em todos . Incrivél ! Já conseguimos títulos internacionais quer ao nível de clubes como de seleções . Não é de admirar , pois se somos bons de bola não somos bons na maioria das coisas que realmente importam !