02 jul, 2018
O último episódio da turbulência que tem agitado a RTVE, rádio e televisão pública de Espanha diz bem do que significa ter o governo e os partidos a decidir sobre a condução do serviço público de media. As acusações de controlo e interferência política têm acompanhado sistematicamente a história dos media públicos na democracia espanhola, com raros intervalos.
Há pouco mais de uma década o presidente da instituição passou a ser eleito no parlamento, mas esta medida mostrou-se eficaz quando há uma maioria clara, o que não era o caso no último governo de Rajoy e não é actualmente com o do socialista Pedro Sanchez. Os trabalhadores do operador público, que organizam desde há largas semanas, ‘sextas-feiras negras’ - concentrações de protesto pelo protelamento de decisões quanto ao governo da empresa, vêem o que se está a passar com o novo governo como um “cozinhado partidário” que não se preocupa com o pluralismo e a independência e menos ainda com o serviço público a que os cidadãos têm direito.
Esta crise da televisão pública espanhola interessa particularmente a Portugal. A mudança significativa operada por iniciativa de Miguel Poiares Maduro, em 2014, ainda no governo de Pedro Passos Coelho, de desgovernamentalizar a administração e a definição da orientação estratégica da RTP, através da criação do Conselho Geral Independente (CGI), permitiu criar estabilidade na empresa e retirá-la da fogueira da luta política, sem com isso eximi-la ao escrutínio do parlamento. Como ainda há dias sublinhava o ex-administrador da empresa Nuno Artur Silva em entrevista a Daniel Oliveira, não houve, na vigência deste modelo, pressões do poder político sobre a administração da RTP. O mesmo posso testemunhar eu próprio, relativamente aos três anos em que integrei o CGI.
Mas o assunto não está arrumado na sociedade portuguesa. Quer os sectores que são contrários à existência do serviço público quer aqueles que não aceitam estar no poder sem controlar a televisão aguardam apenas a melhor oportunidade para desfazer aquilo que tem vindo a ser construído. E isto apesar de o CGI estar apenas a meio do seu primeiro mandato. Pessoalmente, entendo que no fim desse mandato, em 2020, deve ser feita uma avaliação do modelo, para se corrigir o que for de corrigir, em ordem a assegurar um serviço público independente e de qualidade.