28 abr, 2021 • Opinião de Silva Peneda
Nos programas de Estabilidade 2021/2025, de Recuperação e Resiliência (PRR) e Portugal 20/30 estão identificadas, em matérias de contas públicas e de prioridades de investimento, o que, em conjunto, podemos designar do grande quadro de opções que irá moldar o desenvolvimento de Portugal nas próximas décadas
Quando se pensa numa estratégia de desenvolvimento de um país, para além das ambições que são apontadas, há que ter em atenção que tipo de economia é que vai servir da base à concretização dessas ambições e aí tem de se ter a noção dos maiores problemas que essa economia enfrenta.
No caso da economia portuguesa, o maior problema é a acumulação de dívida perante o exterior, que arrasta consigo uma série de impossibilidades, nomeadamente, no muito que há a fazer em termos de investimento e, na área social, no combate às desigualdades, ao desemprego e à pobreza. Portugal tem vivido neste século com uma débil taxa de crescimento económico.
Para inverter esta situação o caminho mais recomendável consiste em optar por uma aposta muito forte na produção de bens transacionáveis.
O mais decisivo potencial de crescimento da economia portuguesa fica assim bem identificado.
Todavia, há que ter em atenção que esse potencial de crescimento não se encontra distribuído do modo uniforme por todo o território nacional. Acontece que este ponto não é abordado em nenhum dos documentos fundamentais de que se fala e a verdade é que num País com défices crónicos na sua balança comercial, a exceção encontra-se na Região Norte que tem apresentado, de forma sustentável e persistente, nos últimos amos, excedentes nas suas contas com o exterior.
Este ponto é crucial em termos de opções para o desenvolvimento de Portugal.
O Norte é, sem dúvida, a região do País mais aberta ao exterior e a mais industrializada. Segundo dados da Comissão Europeia, o Norte é a região portuguesa em que mais cresceu o índice geral de inovação, a que mais incorpora novas tecnologias e novos processos de produção; e, ainda, a que mais tem subido na cadeia de valor e no aumento da produtividade.
Não deixa de ser impressionante constatar que no ano de 2020, apesar da pandemia, o valor das exportações do Norte apenas foi 0,5% inferior ao verificado em 2019.
Estes dados fazem parte da história recente da Região Norte e mostram a grande potencialidade que aí existe em ordem a contribuir, de modo mais rápido, para o crescimento económico do País.
Aproveitar esta enorme potencialidade não pode assim ser confundido com objetivos meramente regionais ou paroquiais. Estabelecer uma clara prioridade ao investimento em bens transacionáveis e, por essa via, canalizar mais verbas para a Região Norte tem de ser visto, nas atuais circunstâncias da situação económica do País, como um desígnio nacional.
Por outro lado, a política económica definida a nível nacional também deve contrariar tendências que se revelam negativas para a prossecução do crescimento económico, através do aumento da produção de bens transacionáveis.
Nas últimas décadas, através do sistema financeiro, tem havido lugar a uma drenagem significativa das poupanças realizadas na Região Norte para outras regiões do País, nomeadamente para a Região de Lisboa e Vale do Tejo.
Esta situação tem conduzido a que haja menos capital no Norte, enquanto o afluxo de capital drenado do Norte tende a ser aplicado em atividades que podem gerar taxas de retorno mais elevadas mas que, na sua maioria, pouco ou nada tem a ver com a produção de bens transacionáveis.
Uma política económica que encaixe no objetivo prioritário da produção deste tipo de bens terá de contrariar esta tendência.
O governo dispõe de um instrumento que o pode fazer - o Banco de Fomento - que deveria criar mecanismos que incentivem a canalização para o setor produtor de bens transacionáveis de recursos financeiros destinados de forma prioritária e urgente, por exemplo, para o aumento de capital e de fusões de empresas produtoras desse tipo de bens.
Já que os Programas de Estabilidade 2021/25 e de Recuperação e Resiliência são omissos nesta matéria, resta a esperança que, no Programa 2030, o assunto venha a ser tratado de forma adequada às verdadeiras necessidades do País.
*Silva Peneda foi ministro do Emprego e da Segurança Social, eurodeputado, presidente do Conselho Económico e Social e assessor do antigo Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.