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O problema nem é só o novo aeroporto de Lisboa

16 out, 2022 • Opinião de João Confraria* • Opinião de Opinião


O primeiro-ministro e o líder do PSD acordaram num método para avaliar alternativas e decidir sobre o novo aeroporto de Lisboa (NAL). Isto melhorou o que parecia ser a ideia inicial do primeiro-ministro, ainda no tempo da geringonça, centrada em garantir decisões consensuais entre o PS e o PSD nas obras públicas. No entanto, pode-se fazer mais e reforçar os fundamentos e a transparência da decisão sobre o NAL. E permanece o problema de definir o método a seguir nas outras grandes obras públicas.

Enfatizar o consenso na decisão tinha um mérito político. Evitar-se-ia a discussão futebolística sobre o NAL, tão frequente nas duas primeiras décadas deste século, em que muito boa gente se pronunciou sobre o assunto como arma de arremesso política, sem haver grandes ideias sobre o setor aeroportuário nem sobre a sua importância para a economia. Também se evitaria que uma mudança de governo implicasse uma mudança de NAL, só porque sim. Mas o mérito dessa ideia inicial era mesmo só esse. Não resolveria um dos problemas fundamentais deste tipo de decisões que é a prevalência da circunstância política na decisão final.

Assim, o passo que agora se tomou, de alicerçar a decisão sobre o NAL numa avaliação das alternativas, feita de acordo com um método aceite pelo governo e pelo principal partido de oposição, ainda que nos termos vagos que são conhecidos, é uma boa ideia.

Interessa, no entanto, que se defina bem o que se pretende com mais esta avaliação. Até porque sobre o NAL já há vários estudos. Vale a pena fazer mais um? Julgo que sim, desde que se utilizem as metodologias adequadas, designadamente em matéria ambiental e de avaliação custos-benefícios. Isto, por dois tipos de razões. O primeiro é simples. Decorreram vários anos desde que esses estudos foram feitos, existe agora mais informação e não faria sentido não a aproveitar para fundamentar a decisão que vier a ser tomada. Ora, sendo assim, devia voltar a avaliar-se a opção da Ota – a menos que esta seja rejeitada com base em critérios que não constam do método que vai ser agora adotado, nem do método que antes se seguiu, o que introduziria alguma incoerência no processo de decisão. Além disto, há mais alternativas, que não foram ainda sujeitas ao escrutínio, bem-vindo ainda que invulgar nas nossas políticas públicas, a que foi sujeita a alternativa de Alcochete (e a da Ota), sendo que no caso de Santarém se devia começar por uma análise jurídica da sua viabilidade e das suas consequências.

Espera-se assim que o governo fique com a melhor informação disponível para decidir. Essa informação deve ser pública. Convém que as pessoas interessadas, e isto inclui quase toda a gente entre Beja e Coimbra, fiquem esclarecidas sobre coisas muito simples. Por exemplo, a localização de um aeroporto perto do centro de Lisboa é importante para o turismo de Lisboa ou para o turismo nacional? Com um aeroporto mais afastado, o turismo de conferências de Lisboa perde clientes para Espanha e para a Grécia ou para o litoral oeste? Como é que a competitividade das empresas exportadoras do Centro é prejudicada com um aeroporto na margem Sul? E a das empresas sediadas em Lisboa? E um aeroporto na margem Sul é um catalisador da atividade económica na margem Sul?

Seria prudente prever que a avaliação que agora vai ser feita seja ainda sujeita a uma análise crítica, feita pelo Estado, de forma independente, assim como pelos vários grupos de interessados, com os resultados à disposição do público. Vale a pena definir um processo, transparente, para que os vários grupos de interesses se pronunciem. Era importante incentivar a sua participação, até porque há coisas surpreendentes. Por exemplo, anunciada a alternativa de Santarém, não se percebe bem a muito limitada reação dos municípios e associações empresariais da região entre Santarém e Leiria, pelo menos.

Enfim, admitindo que alguma consideração seja dada a problemas deste tipo, as coisas parecem estar a ficar bem encaminhadas. Dito isto, vale a pena recordar que a ideia inicial do primeiro-ministro parecia ser a de promover um consenso com o PSD sobre as grandes obras públicas e não só sobre o NAL. Consenso sobre a decisão, sem fundamentação adequada e pública não será grande ideia. Só se elimina o lado futebolístico do debate público. Assim, valia a pena o governo continuar o caminho agora iniciado e acordar com o PSD, e com outros partidos da oposição, não as decisões a tomar sobre cada uma das principais obras públicas, mas um método de avaliação baseado nas melhores práticas, e o procedimento a seguir para uma decisão final. Só isto era já uma grande obra para o público.


*João Confraria é Professor na Católica Lisbon School of Business and Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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