21 jul, 2016 • Pedro Leal
O Parlamento aprovou na quarta-feira a maternidade de substituição. Ainda se arrumavam as cadeiras em S. Bento e já o Presidente da República, à entrada para uma cerimónia na Gulbenkian, arrumava o caso com duas palavras: “promulgo, obviamente”.
Isto não faz sentido e por várias razões.
O microfone não é uma arma e só intimida os inexperientes. Marcelo Rebelo de Sousa não é inexperiente. Perante uma pergunta legítima, o Presidente da República não é obrigado a responder. Marcelo responde apenas porque quer sinalizar algo. O tempo da reflexão que um Presidente da República deve usar, resumiu-se, neste caso, a breves minutos. Sabemos que nos dizem que Marcelo dorme pouco, mas uns minutos mais de ponderação seria aconselhável. Porque não usou o Presidente da República esse tempo?
Porque Marcelo não quis. Não foi um erro – foi uma vontade. E chegados aqui, cada um interpreta o comportamento do Presidente como quiser. Foi para travar a discussão e arrumar o caso? Foi para não deixar que especulassem sobre o que iria fazer? Foi para não ser alvo de pressões para vetar de novo a maternidade de substituição? Foi para calar alguém?
Talvez tenha sido um pouco disto tudo. Mas, seja qual for razão, o Presidente não esteve bem.
A maternidade de substituição não é um tema fácil. É daqueles temas que se classificam de fracturantes. É um tema com várias condicionantes e variáveis na discussão, dividindo a sociedade e não obedecendo politicamente à velha divisão entre esquerda e direita:
- o CDS-PP votou lado a lado com o PCP e o Bloco de Esquerda lado a lado com alguns deputados do PSD.
- a Assembleia da República tinha recebido uma petição em que se pedia um referendo e um debate público.
- esta matéria não fazia parte dos programas eleitorais, por exemplo do PSD e do PS.
- e, por último, porque o diploma do Bloco de Esquerda não resolve todas as questões levantadas no anterior veto, como na reacção, desta quarta-feira, mas desta vez à saída da cerimónia na Gulbenkian, o próprio Presidente reconhecia ao dizer que o ponto relativo à revogação da decisão por parte da mãe biológica não terá sido “acolhido de forma plena” no projecto do Bloco de Esquerda.
Não merecia tudo isto um pouco mais de calma e ponderação? O consenso a qualquer custo e o calar da discussão não é um caminho, é um erro.
Nas famílias, às vezes calam-se algumas situações para evitar discussões e confrontos. Dá sempre mau resultado. Haverá um dia onde tudo vai explodir com uma violência deslocada à situação, mas que apenas revela que muito ficou por discutir lá atrás.
Neste caso da maternidade de substituição algo ficou por fazer e Marcelo não esteve bem. Um tema desta complexidade não deve ser tratado e resolvido com declarações aos jornalistas à porta de uma qualquer cerimónia oficial, à saída e a caminho do carro oficial.