09 nov, 2016 • Pedro Leal
Donald Trump não é um democrata. Pode encenar os passos da coreografia da democracia, mas está longe de aceitar o outro, de o respeitar. Viu-se isso em relação aos mexicanos, em relação às mulheres, em relação aos emigrantes e em relação aos próprios norte-americanos quando se vangloriou de escapar aos impostos.
Pelo que disse, pela forma como se comporta, pelos sinais que deixou para o futuro, Donald Trump, enquanto candidato, não respeitou os princípios democráticos.
Mas foi eleito pelo povo norte-americano. É preciso agora perceber se o discurso e o comportamento da campanha vão continuar. Desconfio que sim e o pior que nos pode acontecer é o nível de exigência para com o seu comportamento baixar.
A democracia, por vezes, é autofágica. Mata-se a si própria. A história tem uma mão cheia de casos em que o modelo democrático abriu espaço a formas de poder, no mínimo, autoritárias. Mas é evidente que estamos a falar dos Estados Unidos, onde os cruzamentos de poderes dão garantia de controlo.
Hillary Clinton perdeu e com ela foi derrotada toda uma classe política que não soube escutar a rua. Que não soube escutar a profunda injustiça que se foi instalando na sociedade norte-americana, onde, entre outros aspectos, o fosso entre ricos e pobres aumentou fortemente. Como é possível os Estados Unidos estarem a crescer, a aumentar a riqueza e as classes média e baixa não sentirem o aumento dessa riqueza e verem os seus rendimentos baixarem?
O cristalizar dos sistemas, neste caso de todo o sistema político norte-americano, a altivez política, o contemporizar com o inaceitável e o politicamente correcto trouxeram o mundo a este momento, a que se associa o “Brexit”, a crise dos refugiados na Europa e toda confusão geoestratégica que se vive em quase todos os cantos do mundo.
Trump foi eleito, os descontentes deram-lhe a vitória e aceitaram o discurso que diabolizou o outro.
A partir de 20 de Janeiro de 2017 vamos ver o que acontece. Como transformará Trump as suas frases populistas em política concreta? Como falará Trump com uma Europa enfraquecida eternamente dependente dos Estados Unidos, como falará Trump com a China, com a Rússia, com o México e como falará Donald Trump com os norte-americanos?
Para quem tem memória da queda do Muro de Berlim, faz hoje 27 anos, e para quem se lembra de líderes como Mikhail Gorbachev, Helmut Kohl, Hans-Dietrich Genscher, George Bush e François Mitterrand – líderes que souberam compreender o outro, o vizinho, a periferia –, é com alguma estupefacção que se hoje olha para este dia.