26 jun, 2016 • Pedro Leal
Ao mesmo tempo que no discurso de encerramento da Convenção garantiu que o Bloco de Esquerda é um partido de poder e que anseia ser governo, Catarina Martins declara guerra a Bruxelas e ameaça com a realização de um referendo também em Portugal, caso a questão das sanções contra o nosso país continue na ordem do dia.
Com Europa ainda atordoada com o “Brexit”, a líder do Bloco de Esquerda alinha com um discurso bélico e de fácil penetração nos mais descontentes com o comportamento de Bruxelas.
A frase de Catarina Martins no encerramento da Convenção do Bloco de Esquerda é clara: “se (a comissão) aplicar uma sanção por causa desses anos e a usar para pressionar o Orçamento para 2017, exigindo mais impostos, declara guerra a Portugal. E nesse caso Portugal só pode responder recusando as sanções e anunciando que está disposto a por na ordem do dia um referendo para tomar posição contra a chantagem”.
“Guerra”, “chantagem”, “referendo” e a dúvida que fica no ar sobre que matéria deveria incidir o tal referendo: sobre o Tratado Orçamental ou sobre a permanência de Portugal na União Europeia? Não disse.
Após o “Brexit”, a linguagem política agudiza-se e não é só na Holanda, Hungria, Itália e França. É também em Portugal. O novo léxico do discurso político europeu, da extrema-direita à extrema-esquerda, da Holanda a Portugal encontra agora uma caixa-de-ressonância renovada motivada pelo referendo na Grã-Bretanha.
Este discurso político é fácil e penetra bem nos mais incautos, mas falar grosso não é o mesmo que ter uma estratégia, um objectivo que não seja apenas o de recolher benefícios de curto prazo. A longo prazo este tipo de discurso, o da ameaça, mina a confiança e destrói o futuro.
Uma posição politicamente legitima era o Bloco de Esquerda nesta convenção dizer que quer um referendo sobre a permanência de Portugal na União Europeia porque o projecto político europeu está comprometido depois do “Brexit”. Esta seria uma posição clara e defensável. Outra coisa é fazer do projecto europeu uma permanente chantagem em que somos a favor ou contra consoante as decisões são a favor ou contra nós.
Numa altura de crise, como a que vivemos agora, é necessário ser-se lúcido, mas o populismo é a via mais fácil e a mais tentadora: David Cameron caiu nesta armadilha e, pelos vistos, também Catarina Martins segue, à escala nacional, o mesmo caminho.
Perante uma crise, um conflito (como o das eventuais sanções a Portugal) não seria melhor recorrer-se aos lugares próprios para se fazer valer a razão nacional, tal como o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, a Comissão…, no fundo, a todas as instâncias políticas possíveis? Não. Fala-se de “guerra”. Algumas instâncias europeias têm uma visão diferente da portuguesa sobre a aplicação de sanções a Portugal? Segue uma chantagem: “Olhem que também fazemos cá um referendo!”
Isto é envenenar toda a discussão política à volta da construção europeia e condenar ao fracasso um projecto que deu o mais longo período de paz à Europa.
Se dúvidas houvesse sobre se o referendo britânico abriu ou não uma “caixa de Pandora” aqui está um exemplo do que vão ser os próximos tempos na Europa: a introdução da chantagem e de uma linguagem bélica no discurso.
Todos os populismos estão agora à solta, à direita e à esquerda. Em Portugal o primeiro a dar o passo em falso foi o Bloco de Esquerda, pela voz de Catarina Martins.