12 mar, 2023
O tempo está a esgotar-se. Há situações graves que provocam rupturas irreparáveis. Na Igreja estaremos a viver um desses tempos. A desconfiança pode entrar num ponto de não retorno e o descrédito instala-se. A diferença de opiniões num tema que não devia ter lados está a marcar um tempo que surge a cada dia mais perigoso.
Mas primeiro as vítimas. Como estarão a assistir a tudo isto? Suspende, não suspende, indemniza, não indemniza. Como estarão as suas memórias dos abusos a ser confrontadas? Que novo sofrimento estarão a sentir?
No momento da conferência de imprensa da apresentação do relatório da Comissão Independente que investigou os abusos de menores na Igreja, houve uma parte muito gráfica, com a descrição dos abusos que as vítimas sofreram. Um tipo de linguagem muito dura que não é habitual ouvir-se em rádio. A dureza da linguagem era necessária estar em antena, pois equivalia apenas a uma ínfima parte do sofrimento das vítimas e era necessário racionalizar-se esse nível de sofrimento. Sublinha-se de novo: a violação física e psicológica infligida é mais grave quando assumida por um membro da Igreja, devido ao ascendente espiritual, e aos sentimentos de confiança e à linguagem do amor fraterno sempre envolvida.
Sobre os abusos na Igreja, o Papa Bento XVI, na viagem de avião que o trouxe a Portugal em maio de 2010, disse que “os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja”, acrescentando que “a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de re-aprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça”. “O perdão não substitui a justiça. Em uma palavra, devemos re-aprender precisamente estas coisas essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais”, concluía Bento XVI.
Vê-se nas palavras de Bento XVI um profundo respeito pelas vítimas e o estabelecimento de uma condição no momento em que a Igreja pede perdão – a necessidade de justiça. Bento XVI é categórico: “O perdão não substitui a justiça”.
No respeito e na preocupação pelas vítimas está também desde há dez anos o Papa Francisco. No exato dia da conferência de Imprensa da Conferência Episcopal, em que reagiu às conclusões do relatório da Comissão Independente, o Vaticano publicou um vídeo onde Francisco dizia que “diante dos abusos, especialmente aqueles cometidos por membros da Igreja, não basta pedir perdão”. “Pedir perdão é necessário, mas não é suficiente”. Num outro momento, o Papa Francisco refere: “A Igreja não pode tentar esconder a tragédia dos abusos, quaisquer que sejam. (…) A Igreja deve ser um exemplo para ajudar a resolvê-los, tornando-os conhecidos na sociedade e nas famílias.”
Bento XVI e Francisco não condenam apenas os abusos no seio da Igreja – sublinham a necessidade de se ir além dos pedidos de perdão. Sublinham a necessidade de justiça e de se ser um exemplo.
Mas o que é a justiça hoje, e em Portugal, no caso dos abusos? Haverá várias respostas, mas no mínimo, para as vítimas, neste momento, é a existência de uma consequência perante a lista dos clérigos no activo suspeitos de terem abusado de menores e que foram referenciados pela Comissão Independente. Chamem-lhe suspensão ou afastamento preventivo, mas a resposta, à luz de Bento XVI e de Francisco, surge evidente.
Agora de novo a Igreja. Se falhar este momento, se não resolver as diferenças de opinião, como há dias o Arcebispo de Évora admitiu existirem em entrevista à Renascença e ao “Público”, a Igreja portuguesa corre o risco de se afastar da sociedade. E por vezes esses afastamentos podem ser duros, penosos e longos.