15 jul, 2024
O livro de Hein de Haas (um dos principais estudiosos do fenómeno migratório em todo o mundo) Como Funciona Realmente a Migração – Um Guia Factual sobre a Questão que Mais Divide a Política, recentemente editado em português pela Temas e Debates, analisa com grande rigor muitas das questões discutidas a respeito desse fenómeno, desfazendo muitas ideias erradas que a ele frequentemente se associam.
Uma dessas ideias, talvez a que com mais frequência é invocada por quem pretende hostilizar os imigrantes e que mais contribui para a sua estigmatização, é a de que a imigração faz subir as taxas da criminalidade.
Os dados portugueses dos últimos anos não o têm revelado: o aumento muito acentuado da imigração no nosso país não se tem traduzido num aumento das taxas de criminalidade.
Este livro revela dados mais completos e abrangentes, baseados em estudos efetuados nos Estados Unidos, no Reino Unido e um outro relativo a vinte e dois países europeus. Desses estudos pode concluir-se não só que a imigração não se traduz num aumento da criminalidade, mas até que, como tendência geral, a propensão para a prática de crimes é menor entre os imigrantes (sobretudo os da primeira geração e no que se refere à criminalidade violenta) do que entre os autóctones, e apesar de aqueles terem menores graus de escolaridade e rendimentos do que estes.
Esse facto tem uma explicação fácil de entender: quem imigra não o faz para praticar crimes, mas para trabalhar com particular afinco. Afirma Hein de Hass: «Uma vez que a migração é cara e arriscada, e exige uma dose considerável de planeamento e força de vontade, os migrantes não são uma subseleção negativa das populações dos seus países de origem» (p. 263). Pelo contrário, tendem a ser um grupo seleto, com maior probabilidade de ser bem sucedidos. Evoca o exemplo dos imigrantes italianos e irlandeses nos Estados Unidos, inicialmente vítimas de preconceitos fortemente negativos, os quais se foram desfazendo, levando à conclusão de que «os trabalhadores migrantes costumam ser oriundos dos meios conservadores, orientados para a comunidade e religiosos e concordam fortemente com os valores da solidariedade, respeito e trabalho» (p. 265). Refere também o trabalho de Robert Sampson, criminologista de Harvard, que salienta a capacidade de muitas comunidades de imigrantes organizarem formas de controlo social baseadas em valores partilhados.
Sem apoio científico nesse tipo de estudos, podemos chegar a essas conclusões quando pensamos na figura típica (que nos é tão familiar) do emigrante português: uma pessoa com excecional capacidade de trabalho (por vezes até em excesso), muito poupada e com grande dedicação à família, que se sacrifica para, acima de tudo, proporcionar um futuro melhor aos seus filhos. Certamente nem todos os imigrantes, portugueses ou não, correspondem a este modelo. Mas é ele que prevalece e está em nítido contraste com o de quem tem propensão para a prática de crimes.
Essa menor propensão para a prática de crimes não se verifica apenas entre os imigrantes legais; verifica-se de forma até mais acentuada entre os imigrantes ilegais. E a explicação também é facilmente compreensível: a possibilidade de ser detetada pelas autoridades a ilegalidade da permanência no país leva a evitar o mais possível o risco de contacto, que a prática de crimes naturalmente acarreta, com essas autoridades.
Não deve ignorar-se, porém, outra face da medalha. Esta imagem positiva pode mudar quando olhamos para a segunda geração. Nesta surge aquilo a que pode chamar-se “o lado obscuro da integração descendente” (p. 165). A segunda geração facilmente poderá integrar-se num dos grupos sociais que compõem a sociedade de acolhimento. Tudo depende, pois, do grupo em que se dá tal integração. Se ela se dá num grupo caracterizado pela pobreza, pelo abandono escolar e pelo desemprego, as taxas de criminalidade dos jovens da segunda geração corresponderão às desse grupo. Não serão maiores, nem menores. do que as desse grupo, simplesmente porque não está demonstrada uma maior propensão para a prática de crimes devida a alguma característica rácica ou étnica.
O desafio será, então, o de evitar esse “lado obscuro da integração descendente”. Não basta, pois, a abertura à imigração sem mais. Há que apoiar uma integração que não seja “descendente”. O desafio é, como tem realçado amiúde o Papa Francisco, o de acolher, proteger, promover e integrar.