27 dez, 2024
Diz o povo que uma desgraça nunca vem só. O ditado aplica-se bem ao que viva atualmente o povo de Moçambique. Mas parece que os centros de poder mais influentes ainda não dão o devido relevo a essas tragédias. Talvez outra atenção lhes seria dada se ocorressem na Europa ou mais perto dela.
Os ataques terroristas na região de Cabo Delgado, que duram há mais de sete anos, não pararam. A maior parte das centenas de milhar de deslocados que fugiram desses ataques não regressaram às suas terras porque não podem confiar que aí encontrem um mínimo de segurança. Mas - já o ouvi a pessoas que acompanham de perto essa realidade - o próprio governo de Moçambique tem minimizado a gravidade do problema, como se a situação estivesse controlada.
Depois das últimas eleições, é a legitimidade desse governo que é posta em causa. Observadores acima de qualquer suspeita de parcialidade (como a conferência dos bispos católicos) falam em “fraudes grosseiras” que não permitem validar os resultados. Também neste aspeto, parece que se toleram mais facilmente esse tipo de fraudes quando ocorrem em África do que quando ocorrem noutros países (na Venezuela, ou na Geórgia, por exemplo). Terão alguma razão os que denunciam os “dois pesos e duas medidas” que a esse respeito se evidenciam.
Essas acusações de fraude, e a suspeita do assassinato política de figuras ligadas à oposição, geram um clima de revolta popular a que o governo responde com o uso de violência que não se detém diante do respeito pela vida humana (o que também pode dizer-se de algumas formas de protesto). Os esforços de mediação a que se prestam os bispos católicos não encontram, para já, grande abertura, da parte do governo.
Neste quadro de impasse e incerteza, mais facilmente atuarão os insurgentes que aterrorizam a população de Cabo Delgado.
E foi precisamente essa população a mais atingida pela devastação provocada pelo ciclone Chiro. Fenómenos atmosféricos como este são recorrentes em Moçambique. Dizem-me que se vêm sucedendo desde há décadas, mas na última a um ritmo muito mais intenso (de cerca de um por ano, facto que nunca havia sucedido anteriormente), o que será mais um efeito das alterações climáticas.
Diante destas três desgraças, não basta chorar por Moçambique, ou lamentar os azares do destino. Há que vivê-las como se fossem nossas, como se ocorressem perto de nós, ou com os nossos familiares. Compreende-se o valor que o Papa Francisco dá às periferias, que, por serem distantes dos centros de poder, mais facilmente são esquecidas (é este o caso). As desgraças do povo de Moçambique não refletem a vontade de um deus arbitrário e insensível, são fruto de escolhas humanas e adquirem sentido apenas se forem encaradas como um apelo a um reforço dos laços de fraternidade. Um apelo dirigido a muitos: aos governos, às organizações internacionais, às Igrejas e comunidades religiosas, à sociedade civil de países próximos e distantes, a cada um de nós.