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Reportagem - A barragem do Tua não tirou o Amieiro do isolamento - 07/02/2017 - Liliana Carona

Reportagem

A barragem do Tua não tirou o Amieiro do isolamento

07 fev, 2017 • Liliana Carona (áudio, texto e fotos)


A infra-estrutura já está a funcionar em pleno. A população ainda não sente benefícios da obra, mas já tem queixas a fazer.

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Cerca de dez anos depois de ter sido anunciada, a barragem do Tua já está a funcionar em pleno, com a quota máxima de 170 metros. A população de Amieiro, concelho de Alijó, ainda não sente benefícios da obra, mas já tem queixas: mais humidade e mais nevoeiro, prejudicial para a agricultura, o principal meio de subsistência.

Os cerca de 70 habitantes de Amieiro, aldeia onde, em meados do século passado, viviam mais de três centenas de pessoas, contestam o isolamento a que estão votados. Para irem a Alijó, sede de concelho, gastam mais de 30 euros de táxi. Não têm alternativa: foi-se a ponte, foi-se o teleférico, foi-se a linha ferroviária e a estação de Santa Luzia.

Do passado restam a paisagem, os sons da natureza e uma vida que continua ser a dedicada à agricultura. Alguns ainda têm as hortas à porta de casa, mas muitos foram despojados dos seus terrenos.

É o caso de Alcino Meireles, 81 anos, nascido e criado no Amieiro. “Se fosse agora, não os vendia. Foram 70 oliveiras e outros tantos sobreiros. O dinheiro gasta-se e ficamos sem propriedades, com a barragem veio a humidade, vai acabar com o vinho daqui, é prejudicial para a agricultura, além de que não podemos passar para os outros terrenos do lado de lá da margem do rio”, lamenta o agricultor.

“Estamos isolados”

A falta de transportes constitui a principal queixa da população. Margarida Alves, 68 anos, vive mesmo ao fundo povoado, perto da margem do Tua. Gosta das novas vistas, mas isso não chega. “Isto é muito bonito, mas antes queríamos o comboio ou a ponte. Damos o que temos e a luz está cada vez mais cara. Estamos isolados, não temos mais transportes”, queixa-se.

Margarida recorda o tempo em que pescava no rio Tua, o tempo em que atravessava para a margem que leva ao distrito de Bragança, Carrazeda de Ansiães. “Era barbo, boga... E era pertinho, era só pedras. No Verão, passávamos o rio a pé, para irmos para o comboio. Tivemos ponte, barco, teleférico...”

Já habituada a entrevistas, Hermínia Gordinho, 77 anos, ocupa o tempo na horta e a fazer renda. “Alguma coisa tenho que fazer. Nós, aqui, em tempos, eram seis horas da manhã e já cruzavam os comboios. Íamos para todo o lado. Que fizessem isto, mas que nos deixassem um transporte”, reclama.

"Não engraçamos com a barragem, mas nós não mandamos nada. Temos muito nevoeiro. Os idosos, os nossos ossos... Não se importam com os velhotes, é para o lixo”, diz. Há revolta nas palavras.

Em Amieiro, são visíveis as placas com os avisos de subida de água. “Vai subir mais nove metros, mas não tenho medo”, assegura Margarida Alves, vizinha de Hermínia, que diz o mesmo: “Medo? Nem pensar, nunca tive medo, não sou medrosa.”

Sem meios de transporte, Hermínia e Margarida contam com o apoio da Associação do Amieiro. Mais do que uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), é uma "tábua de salvação".

Olga Torrão, 32 anos, técnica da associação, confirma o isolamento da população. “Eles apanhavam o comboio e, em Mirandela, faziam as compras. Com o terminar da Linha do Tua, ficaram mais isolados, não há meios de transporte. Temos a boleia social, damos boleia aos sócios por uma quantia simbólica, mas eles queriam é que a linha fosse requalificada”, insiste a responsável.

Além da boleia social, os habitantes de Amieiro têm a padaria, o talho, a peixaria, só que sobre rodas, todos os dias.

Só o turismo salva?

Amieiro tem um único café, que funciona na sede do grupo recreativo. É o local onde o tesoureiro da junta procura responder às dúvidas dos habitantes. Fernando Quintas, 71 anos, está desde 1979 na autarquia. Há uma data que não esquece: “O Amieiro deixou de ter comboio no dia 27 de Dezembro de 2002, depois de uma grande cheia que levou a ponte que nos levava até à estação de Santa Luzia."

Mas Fernando Quintas é o mais optimista da freguesia. Acredita que "a barragem vai ser a salvação do Amieiro, porque o Amieiro vai tendo menos pessoas, só idosas. Era necessário criar postos de trabalho para atrair pessoas mais jovens, só o turismo poderá salvar".

O tesoureiro da Junta de Freguesia de Amieiro afirma que tem garantias de investimento privado para a zona. "Temos um clima invejável, uma paisagem magnífica, até património religioso. A nossa igreja tem um carrilhão construído pelo mesmo construtor do da Basílica de Fátima."

As laranjas "docinhas"

Na década de 1980, Amieiro chegou a ter um jornal com tiragem de três mil exemplares. Hoje, é difícil para Alcino Meireles encontrar parceiros para as cartas. “Nem arranjo um colega para jogar cartas. São precisos quatro para a sueca”, lamenta.

Ainda assim, quem nasceu, cresceu e vive no Amieiro recusa sair da aldeia, que cheira a laranjas. “As laranjas são muito docinhas, aqui”, diz Hermínia. “Estou aqui porque quero, a minha filha queria-me em Aveiro, mas eu não.”

“Já estive três meses na França e vim-me embora, gosto de estar aqui”, sorri, Margarida.

A central produz cerca de 600 gigawatts hora/ano, o consumo de uma cidade como Braga. A albufeira da barragem, que abrangerá ainda os concelhos de Murça, Vila Flor e Mirandela, submergiu 16 quilómetros da linha do Tua, dos 134 quilómetros de extensão. A linha foi desactivada na sequência de vários acidentes e do desinvestimento na sua manutenção.

O valor do investimento estimado foi de cerca de 370 milhões de euros.

Comentários
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  • Cagoemti
    03 dez, 2017 Aveiro 01:22
    Esse senhor dos barcos o tal Mário consegui o que queria, quem sabe se não foi ele que mandou provocar fotos aqueles acidentes da linha do Tua. Para fechar de vez a linha e meter os barcos. Há muita maneira de comer bacalhau.
  • Carapaufrito
    15 fev, 2017 Aveiro 09:58
    São sempre os mesmos a serem lesados, enquanto outros se vão enchendo a pança.
  • D X
    09 fev, 2017 Santarém 07:37
    São as maravilhas do progresso. Comboio ali é estúpido mas se terraplanarem umas hortas até vêm charters com turistas chineses.