23 mai, 2017 • João Carlos Malta , André Rodrigues
“Muitos dos meus amigos dizem-me: ‘Não tens medo com tanto turista? Vais abrir mais um e vai acabar por baixar’. Não tenho medo porque ainda há muito para crescer e quando parar de crescer, vai estagnar, mas num nível que é o dos grandes destinos turísticos”, garante Alexandre Testagrossa, o dono da Shiadu, uma empresa de alojamento local que tem sete unidades (seis em Lisboa e uma no Porto).
Alexandre representa o optimismo de quem não acredita que este momento esteja perto do fim. Não crê em bolhas no sector. A palavra de ordem é, por agora, crescer, crescer, crescer.
“Lisboa foi um fenómeno de moda, ainda é um fenómeno de moda, mas penso que não se vai apagar. Houve um ‘boom’ por volta do ano de 2011, subiu, subiu, e vai haver um dia em que chegará ao nível das grandes cidades europeias que já estão nos roteiros turísticos. Mas daí não vai baixar”, perspectiva o empresário.
O turismo poderá não ser o sector que mais subiu no primeiro trimestre deste ano, em que o país registou o maior crescimento da última década (2,8%), mas é talvez o ícone mais marcante de uma nova fase da economia nacional. Também por ser o que mais entra pelos olhos adentro dos portugueses.
Os centros das grandes cidades encheram-se de uma polifonia de dialectos – e de euros, que rechearam as caixas de muitos operadores. O fenómeno tornou-se mais evidente na época mais dura da crise económica. O turismo foi para muitos refúgio ou oportunidade para fugir à queda da economia. E foi nesses anos a almofada que amparou a queda do país.
Do um ao 100
A Shiadu começa antes desses anos, em 2009, mas é a partir de 2011 que cresce de forma mais evidente. Há oito anos era só Alexandre, hoje são mais de 100 trabalhadores. “Para nós não houve crise no turismo. Foi uma oportunidade para o sector”, garante.
As condições para que o turismo fosse um factor de desenvolvimento sempre estiveram em Portugal, mas agora a conjuntura é mais favorável do que nunca.
“Sempre tivemos estas mais-valias, mas não da mesma maneira que temos agora. Há muita oferta hoteleira recente e animação turística, a qualidade do serviço também melhorou imenso. As condições básicas melhoraram e depois há uma dinâmica de visibilidade. Em turismo, percepção é realidade”, lembra o presidente da Associação Portuguesa de Agências de Viagem e Turismo, Pedro Costa Ferreira.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, no acumulado de Janeiro e Fevereiro de 2017, o saldo da balança turística registou um crescimento de 16,3% em relação aos mesmos meses do ano passado. O sector emprega mais de 294 mil portugueses, número que resulta de um crescimento de 40 mil postos de trabalho no primeiro trimestre deste ano.
Os números ajudam os responsáveis do sector a afirmar que são contribuintes líquidos para o sucesso económico de Portugal, mas possíveis flutuações do negócio não dependem das variações do país. “Para mim, em Lisboa, os portugueses valem 0,5% do total de clientes e no Porto entre 3% a 4%, sobretudo pessoas que se deslocam do sul do país”, exemplifica Alexandre Testagrossa.
Disneylândia ou autenticidade
O crescimento do sector, sobretudo nas duas maiores cidades, tem feito com que muitos se tenham levantado contra os efeitos perversos de um crescimento que consideram desmesurado e descaracterizador dos centros urbanos. O risco de criar uma Disneylândia para estrangeiros é real, alertam estas vozes.
O presidente da APAVT, Pedro Costa Ferreira, reconhece que os perigos existem, mas defende que se pode conjugar “o aumento da procura e a manutenção da autenticidade”.
“Não é um maior número de turistas que faz com que percamos autenticidade. Perdemo-la se não tivermos portugueses a morar nessas áreas e se o que estiver montado não for sobretudo para o usufruto dos residentes e dos habitantes da cidade. Deve ser também para os turistas, mas não exclusivamente para eles”, defende Costa Ferreira.
Para este dirigente associativo o futuro do turismo jogar-se-á em dois tabuleiros: o da autenticidade e dos recursos naturais. “Estamos bem posicionados nas duas vertentes. Em relação às condições naturais, o desafio é não estragarmos. O turismo vai também evoluir uma actividade mais experiencial, com maior dinâmica com as populações locais”, perspectiva o presidente da APAVT.
A caminho dos mil milhões de vendas
No Norte, a cortiça é um dos sectores charneira da indústria. Depois do melhor ano de sempre em 2016, com 940 milhões de euros em exportações, os empresários da cortiça querem fechar este ano nos 1.000 milhões em vendas ao exterior.
“Sete em cada dez garrafas de vinho em todo o mundo levam rolhas portuguesas". É com orgulho que o presidente da Associação Portuguesa de Cortiça (APCOR), João Rui Ferreira, exibe os resultados de um sector que, ano após ano, tem aumentado a quota no crescimento da economia nacional.
Em 2016, a cortiça representou 7,5% do total das exportações, somando 940 milhões de euros em vendas para o estrangeiro. João Rui Ferreira confirma que "foi o melhor ano de sempre", mas quer mais.
Os mil milhões em vendas para o estrangeiro "é uma meta que esteve pensada para 2020" só que, "tendo em conta os dados do primeiro trimestre – em que crescemos 6% – se não atingirmos essa meta, estaremos cada vez mais próximos desse valor ainda este ano".
1,35 euros por quatro gramas de cortiça descartável
A António Almeida Cortiças, uma empresa familiar de Santa Maria de Lamas, produz à "volta de 900 milhões de rolhas por ano", cujo preço é variável.
"Tenho clientes que me pagam 220 euros por cada mil rolhas", explica o director-geral José Carlos Faria. Mas, no caso dos vinhos de altíssima gama, o preço "pode ir até aos 1.350 euros por mil unidades".
Para um leigo na matéria pode soar a exagero, tendo em conta a vida útil daqueles quatro gramas de cortiça. Dê por onde der, na ponta do saca-rolhas termina a razão de ser de um simples vedante de garrafa. "A rolha é, por norma, o parente pobre do vinho, mas é um produto de excelência, em que Portugal é claramente líder e que faz a diferença na qualidade do produto engarrafado".
Nem plástico, nem metal
Quando na década de 1990 o sector da cortiça sofreu uma das crises mais graves de que há memória, "tudo foi posto em causa e foi nessa altura que surgiram os produtos alternativos".
José Carlos Faria acompanhou, ao longo dos tempos, a inovação tecnológica que agora permite eliminar as substâncias que comprometem a qualidade das rolhas e, por essa via, a qualidade dos vinhos.
"Felizmente para a indústria, conseguimos evoluir na compreensão do comportamento da cortiça, melhorámos todas as condições de produção de uma maneira geral", sublinha o director-geral da António Almeida Cortiças.
Mas tudo começa na selecção da matéria-prima. Primeiro, "a extracção nas herdades de Montemor-o-Novo e Ponte de Sor", segue-se o armazenamento durante seis meses, "para reduzir ao máximo o teor de humidade natural da cortiça", a desinfecção a vapor e finalmente "o traçamento" (o termo técnico para a triagem).
A cortiça boa é transformada em rolha. A outra "é despachada para produtos de qualidade inferior e para aproveitamento energético".
José Carlos Faria explica que, actualmente, "a factura mensal de gás natural é de 35 mil euros". Para responder a este pesado custo de contexto, a empresa "vai montar um sistema de aproveitamento do pó de cortiça para gerar vapor" e, dessa forma, reduzir a factura da energia "em 85%”.
O futuro para além da rolha
Alcançada a liderança na rolha, João Rui Ferreira aponta o futuro do sector às novas aplicações da cortiça, "designadamente na área da construção civil, com destaque para os pavimentos e para os isolamentos, na moda – com particular incidência no ramo do calçado – no desporto e nos transportes".
Numa altura em que os empresários demonstram cada vez mais interesse em produzir respeitando o ambiente, o líder dos empresários do sector sublinha que, apesar dos custos mais elevados, "a cortiça consegue substituir os produtos tradicionais com uma performance ambiental muito melhor do que qualquer outra matéria-prima extraída a partir do petróleo".