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Os Jovens e o Desporto. “Não pode ser só futebol e não é só um hobby”

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Os Jovens e o Desporto. "Não pode ser só futebol e não é só um hobby”

23 jun, 2023 • Ângela Roque


Um treinador e comentador desportivo, uma jornalista e uma campeã de canoagem falam das virtudes do desporto, da importância da ética e também das dificuldades por que passam muitos atletas, porque “só no futebol masculino é que há garantia de que se consegue viver da profissão que se escolheu”.

Francisco Guimarães tem 26 anos. Aos 15 foi o mais jovem treinador de futebol do país. Depois de ter jogado em clubes de pequena dimensão, dirigiu jogadores – alguns próximos da sua idade, outros mais velhos - no Estoril Praia, no 1º de Dezembro e no Delhi United, na Índia. Garante que ser tão novo não foi um problema, pelo contrário. “Conseguimos criar laços de uma verdadeira amizade, alicerçada no bem do outro, na correção sem maldade. Esse respeito acontecia de forma natural, e facilitou a liderança. Foi uma relação normal construída com naturalidade”.

Francisco, que já teve entretanto uma incursão na política - foi mandatário para Juventude e Desporto da campanha de Carlos Moedas à câmara de Lisboa e assessor na autarquia, na área da Juventude - não esqueceu o futebol. “Um dia hei de voltar a treinar, é uma coisa que eu adoro fazer”. Para já, desdobra-se em compromissos como Embaixador para a Integridade no Desporto, comentador, cronista e orador, para transmitir aos outros os “valores certos” do desporto, como a ética e a competição sadia, porque o desporto “permite encontrar o melhor de nós próprios”.

A “grande missão do desporto”, diz, “é fazer com que cada um encontre uma forma de superação”.

Prémio de ética por ajudar uma adversária

Beatriz Caldas tem 18 anos. Canoísta do Clube Náutico de Ponte de Lima, em 2022 foi campeã nacional de Maratona. Durante os mundiais da modalidade, que decorreram no final do verão naquela localidade minhota, a jovem atleta foi distinguida com o Prémio Ética Desportiva pelo Comité Olímpico de Portugal, por ter socorrido uma adversária em dificuldade, em detrimento do seu próprio resultado desportivo. Disputavam a corrida em K1 juniores feminino, quando o caiaque da outra atleta, japonesa, se virou no rio Lima. Beatriz protegeu-a com a sua embarcação e, com a ajuda de uma pagaia, conseguiu puxá-la para a tona da água.

Beatriz diz que quando agiu não pensou em galardões, até porque “estava no nervosismo da prova. Não estava à espera de receber (o prémio), foi algo que fiz sem perceber, foi só instinto”, conta, acrescentando que “é sempre uma mais valia ajudar os outros”.

Para ser atleta de competição Beatriz Caldas treina, em média, três horas por dia. E nem sempre é fácil conciliar com os estudos. Está a tirar a licenciatura em Educação Básica na Universidade do Minho, em Braga. E no futuro, vai ser atleta ou professora? “Se der faço as duas coisas”, responde. Sabe que não é fácil viver só do desporto, mas para já o foco está em trabalhar para ser boa profissional. A resiliência e o “espírito de sacrifício” com que pratica a canoagem são ensinamentos para tudo o resto na vida.

A hegemonia do futebol masculino e as desigualdades salariais

Inês Braga Sampaio, de 30 anos, é jornalista da Renascença, na secção de Desporto. Esta é uma área profissional ainda maioritariamente masculina, mas não vê nisso um problema. “Dentro do contexto da Renascença e da equipa Bola Branca, nunca senti qualquer tipo de discriminação”. Como profissional de comunicação reconhece que a centralidade que se dá ao futebol não é positiva. “Infelizmente em Portugal ainda funcionamos muito em função do futebol, masculino em especial, e depois, nas restantes modalidades, em função dos resultados dos atletas”.

“Contra mim falo, e contra todos nós, jornalistas desportivos. Muitas vezes não somos nós que vamos à procura das modalidades, são elas que chegam até nós por via dos resultados nacionais e internacionais, porque os atletas portugueses são muito bons lá fora, têm excelentes resultados. Infelizmente ainda funcionamos muito em função disso”.

Conta que em termos de interesse mediático o futebol pode ser rei, mas os portugueses gostam de outros desportos , como ciclismo, hóquei em patins, futsal, e não só. “No hóquei, em especial, Portugal tem uma grande tradição. Mas também o andebol, em que temos tido recentemente muito bons resultados”. Destaca, ainda, “a canoagem e o atletismo, que será sempre um desporto tradicional pelos resultados de Portugal, especialmente no passado, em Jogos Olímpicos e em mundiais de atletismo. E também o basquetebol. Na natação também temos cada vez melhores resultados, e temos agora um jovem nadador muito bom, o Diogo Ribeiro”.

Medalhas e troféus ajudam a centrar atenções e a valorizar mais as modalidades, mas os atletas não são todo iguais quando se fala de vencimentos, com diferenças que são gritantes. “Só mesmo no futebol masculino é que há essa garantia de que se consegue viver da profissão que se escolheu”, explica, lembrando que “há muitos atletas de alta competição que têm dificuldades para angariar dinheiro suficiente para ir a todas as provas. O Rui Bragança, do Taekwondo, há uns anos falava disso, da dificuldade de garantir sempre o financiamento necessário para ir a todas as competições. E é um atleta de Jogos Olímpicos!”.

Inês fala ainda do futebol feminino. “É a área em que estou mais à vontade, e aí as jogadoras dizem muitas vezes ‘nós não queremos salários iguais aos homens, queremos é salários que nos permitam viver dignamente da profissão que escolhemos”.

Para Francisco Guimarães “enquanto o futebol masculino tiver preponderância vai ser sempre aquele que gera mais rendimento para o PIB dos países e que põe mais a circular a economia, portanto, é normal que haja alguma diferença. O que não é normal é a desproporção que é completamente pornográfica”.

Para se combater as desigualdades é preciso que em termos de políticas públicas se incentive e valorize todo o desporto. “Não acredito que um miúdo que nasce em Portugal, nasça com um género futebolístico. Não acredito nisso. É preciso criar à volta dos miúdos uma verdadeira cultura desportiva, um acesso mais livre e imediato a várias formas de praticar desporto. Porque o desporto pode-se praticar em variadíssimas modalidades e é isso que é preciso incentivar e que o Estado tem que promover. É isto que as escolas têm de fazer e as próprias famílias, ampliar o conhecimento dos miúdos, para que eles percebam qual é o desporto que gostam mais”. Para começar, diz, “é preciso acabar com a ideia de que o desporto é só um hobby, porque é fundamental para a saúde, física e mental”.

A violência no desporto e os maus exemplos que vêm de cima

Será que os atletas e os agentes desportivos têm noção do exemplo que são para os jovens? Que valores se transmitem, quando há casos de violência ou racismo? Para Francisco, tudo o que acontece no desporto “replica aquilo que acontece na sociedade, portanto, não podemos estar à espera que haja milagres. Basta olhar para o que tem acontecido no mundo político, numa sociedade altamente polarizada. No futebol está acontecer exatamente a mesma coisa”. Mas, como se altera este quadro?

“Por mais campanhas, conferências e palestras que se façam – contra mim falo, que sou Embaixador para a Integridade no Desporto -, não é isso que vai mudar o rumo das coisas. A mudança estrutural, a reforma séria, faz-se construindo uma verdadeira cultura desportiva. E enquanto o Estado não perceber e não fôr prioridade política o desporto, eu acho – e sou muito pessimista – que vai ser muito difícil encontrar um rumo positivo”, afirma.

Inês Braga Sampaio concorda. “O desporto, para o bem e para o mal, reflete a sociedade, e os exemplos têm de vir de cima”, sendo que muitos são negativos. “Há atitudes intolerantes que não são ainda olhadas com intolerância por parte dos nossos dirigentes. É tudo muito levezinho, e enquanto for levezinho, essa reforma estrutural é impossível. Acontece tudo numa de erro e retaliação, vou fazer queixa daquele, vou fazer queixa do outro, e nenhum olha para o próprio umbigo. Enquanto assim continuarmos nada vai mudar”. Em sua opinião também alguns media têm muita responsabilidade, ao condicionarem, em particular o futebol, com painéis de debate “incendiários”.

Francisco lembra que o Estado e a escola têm um papel fundamental na promoção da mudança, e sublinha o muito que há ainda por fazer, para que haja no país uma verdadeira “cultura desportiva”.

O que vale, acrescenta, “são estes heróis que vamos encontrando, como a Beatriz e o Miguel Oliveira, que nas suas modalidades vão dando excelentes exemplos do que é competir bem”, e fazem crescer as modalidades. “Tivemos um crescimento do motociclismo quando apareceu o Miguel Oliveira, ou o João Almeida no ciclismo. Há mais interesse e mais jovens a querer praticar a modalidade” devido aos exemplos de “trabalho árduo, de heróis que vão remando contra a maré, no caso da Beatriz, literalmente”.

Que pergunta fariam ao Papa?

Com a Jornada Mundial da Juventude em pano de fundo, Francisco Guimarães gostava de perguntar ao Papa Francisco “como é que levamos este sentido espiritual ou religioso que temos no nosso coração para o dia a dia de uma equipa, seja ela de desporto, ou não. Como é que um líder contribui para esse lado espiritual de um jogador, ou um jogador contribui para o lado espiritual de um treinador?”

Inês colocaria outra questão. “Vou pelo meu lado mais jornalístico e perguntaria como é que vê os cada vez mais numerosos episódios de violência e racismo no desporto, em especial no futebol europeu”.

*Este episódio foi gravado antes de ser conhecida a investigação ao caso de tráfico de menores numa academia de futebol, tema que, por isso mesmo, não é abordado na conversa.

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