28 jul, 2023 • Ângela Roque
“Estaremos muito cansados depois de 7 de agosto, mas que haja energia para continuar e possa haver alguma renovação da Pastoral Juvenil”. O desejo é manifestado por Rui Teixeira. O médico, de 35 anos, foi um dos organizadores dos encontros ‘Rise Up’ - como se designam as catequeses da JMJ Lisboa -, em resposta ao desafio do Papa para que os jovens “saissem do sofá e se levantassem”.
“Queríamos que pudesse ser uma jornada o mais bem preparada possível, envolvendo aqueles que vão ser peregrinos”. Ao todo organizaram-se 25 encontros ao longo dos últimos três anos, “traduzidos em mais de seis línguas”. Já em 2023 “houve três encontros preparatórios ‘Rise Up’, de um cariz um bocadinho diferente, mais relacionados com aquilo que vamos viver na semana da Jornada e com os temas próximos da mensagem principal do pontificado do Papa Francisco, sempre em redor desta ideia da Casa Comum: a ecologia integral, o aspeto da amizade social e o anúncio de Cristo vivo, que é também uma mensagem chave do Papa”.
Rui Teixeira preside à região Europa e Mediterrâneo da Conferência Internacional Católica do Escutismo, organismo que representou, em 2018, na reunião preparatória do Sínodo ‘Os Jovens, a Fé e o discernimento vocacional’. Conhece bem o empenho dos jovens e confia que a mobilização para esta JMJ terá consequências no futuro da Igreja. “Também tenho experiência de Jornada. Há mil e uma formas de a viver, conforme a nossa fase de vida, mas acreditamos que semeamos alguma coisa e depois alguém há de colher”, afirma.
Ana Catarina André tem 36 anos. Jornalista da Renascença, é autora de vários livros, o mais recente sobre a vida do Padre Cruz. Conhece bem a vida da Igreja e dos movimentos juvenis no Patriarcado de Lisboa.
Com experiência em três edições anteriores da JMJ – uma delas já a trabalhar – fala numa experiência que marca. “Quem nunca viveu uma Jornada pode ter uma ideia teórica do que é, mas depois, na prática, é outra dimensão”, conta. “Os jovens, que muitas vezes acham que estão sozinhos na paróquia, que são cada vez mais uma minoria e que a religião tem um papel cada vez menos importante, num encontro como este isso desaparece e ganha-se essa perspetiva de ‘há tantos como eu, há tantos como nós, há tantos à procura e que veem no projeto de Cristo uma vida com sentido. Acho que isso é o mais marcante da Jornada Mundial da Juventude”, sublinha.
Mas, e no pós Jornada, o que fica? “A Igreja pode aproveitar – e oxalá que aproveite - para se renovar, nos procedimentos, na própria linguagem, na maneira como fala com os jovens e como propõe Cristo. Claro que o fruto mais importante é aquilo que se passa no íntimo de cada pessoa. Mas, a nível estrutural, que a Igreja possa aproveitar esta oportunidade para falar a outras pessoas que estão mais longe e mais afastadas, para se fazer próxima – volto a dizer - com uma linguagem acessível, que as pessoas compreendam, e que fale dos problemas da vida concreta de cada um”.
“Não estou com isto a dizer que a teologia não interessa, mas para chegar numa primeira fase a quem está longe, é preciso desconstruir e é preciso simplificar aquilo que se quer dizer e se quer passar. É um desafio, à Igreja e à própria Pastoral Juvenil”, mas deve ser vista como “uma oportunidade gigante. Não vamos ter outra JMJ em Portugal tão cedo!”.
Ana Catarina acredita que, como aconteceu em edições anteriores, também esta poderá ser um “celeiro de vocações”. “Seria estranho isso não acontecer. Nas Jornadas onde já estive, e noutras de que já ouvi relatos, muitos jovens conseguiram perceber melhor o seu projeto de vida. E não estou só falar da vida consagrada, estou a falar também de pessoas que decidiram casar-se, outras que decidiram entrar no seminário. Há espaço para todas as vocações e para cada jovem descobrir aquilo a que é chamado”.
Carlos Figueira, de 28 anos, vai viver a sua primeira Jornada Mundial da Juventude como voluntário. Economista do Banco de Portugal, é professor da Nova SBE (Scholl of Business and Economics) e um dos coordenadores gerais do Hub português da ‘Economia de Francisco’ (EF), projeto que a JMJ vai permitir divulgar ainda mais.
“Estamos a preparar, em conjunto com a Universidade Católica Portuguesa, uma presença na Jornada, a que chamamos a ‘Casa da Economia de Francisco’. A iniciativa vai decorrer de 31 de julho a 4 de agosto, “para mostrar que não estamos meramente no plano teórico. Já há Economia de Francisco na prática”.
Logo no dia 31, a UCP acolhe “o quarto Congresso sobre o Cuidado da Criação, o Vaticano está envolvido na preparação. Vamos ter presença de vários jovens da Economia de Francisco, e o objetivo é que saia de lá um manifesto, à semelhança do que aconteceu nos congressos anteriores”.
Os restantes dias serão temáticos, ligados aos temas das catequeses/Rise UP, sobre “a Ecologia Integral, a Fraternidade Universal, e um sobre Economia e Bem Comum. Ou seja, são os marcos, em termos de temas, do pontificado do Papa e são também os temas da Economia de Francisco”. Porque, afinal, tudo está interligado.
“Queremos mostrar alguns projetos que surgiram no âmbito da EF, a nível mais internacional, outros em Portugal, e que se calhar ainda não são assim tão conhecidos . E faço um apelo para que quem quiser nos visite nesses dias – vamos ter conversas desafiadoras” em que, tal como nas catequeses, também será dado “protagonismo aos jovens”.
De resto, o envolvimento dos jovens é fundamental para a mudança de paradigma na Economia. “Às vezes pensa-se que a EF é um modelo económico novo. Não é bem. É a busca de um novo modelo, e costumamos dizer que temos mais perguntas do que respostas”. E lembra que “o Papa diz que nos devemos preocupar mais por iniciar processos do que em possuir espaços, ou seja, é mais importante colocar as perguntas do que ter logo as respostas, ou ser apressado em chegar às respostas”.
Carlos garante que a Economia de Francisco “não é uma utopia, nem é só para economistas, é para todas as pessoas de boa vontade”, e é já “uma grande comunidade, muito diversa, como se viu no encontro presencial em Assis”, onde jovens do inteiro assinaram um Pacto.
“No interior da EF temos economistas, sou um deles, mas temos também pessoas de direito, da comunicação, médicos. Todos somos chamados a ter um papel na construção desta economia diferente, uma economia com alma. Todos somos chamados a mudar as nossas opções de consumo, a mudar a forma como nos relacionamos com nosso trabalho, com os nossos amigos, com a nossa família, connosco próprios, com Deus. Por isso, todos temos um papel nesta nova economia”.
De acordo com o recente estudo ‘Jovens, Fé e Futuro’, 56% dos jovens portugueses são religiosos, sendo a esmagadora maioria dos crentes – 88% – católicos, e 6% protestantes. Entre os não crentes, muitos admitem rezar. Os jovens estão preocupados com a crise climática e com a guerra, valorizam a família e ambicionam ter um trabalho que os faça felizes, mais do que ganharem muito dinheiro.
Os dados não surpreenderam Carlos Figueira. Diz que a conciliação trabalho/família é uma preocupação cada vez mais presente. “Queremos ter um trabalho estável mas que nos faça felizes, já é não tanto se ganhamos mais. Alguns até eventualmente estão disponíveis para abdicar de um salário melhor para serem mais felizes e terem mais tempo para a família. Na Economia de Francisco uma das preocupações que temos é dar as condições para que isto seja possível, e Portugal é um caso onde isso é evidente, os salários são baixos e há pessoas que têm dois trabalhos - e precisam de os ter. E como é que tendo dois trabalhos e vivendo no limite, se deixa espaço para as próprias pessoas, para uma relação com a família e também para oração, para a relação com Deus? É um desafio grande”.
“O homem é um indagador de sentido e também precisa dessa dimensão, não só de família, mas também espiritual”, sublinha.
Rui Teixeira concorda. “Trabalho muito com jovens, não só no contexto escutista, eclesial, mas também na Faculdade de Medicina, e muitos assumem uma transcendência, uma procura de sentido para além daquilo que se toca. Têm noção do mistério, no fundo. Embora haja, de facto, o risco do tecnicismo. Na nossa profissão isso é mesmo problemático, e penso que na economia também, ficarmos secos, só ali naquela nossa área”.
E acrescenta: “é muito importante, até na linha do que foi o Sínodo dos Jovens, escutá-los e perceber que propostas se podem fazer. A Conferência Episcopal e as dioceses tem de olhar para estes dados com atenção”.
Ana Catarina André concorda. “É urgente a Igreja ter em conta este tipo de dados, para poder ir ao encontro dos jovens naquilo que são as suas preocupações e anseios”. E ter em conta que “os jovens percebem que há questões que têm a ver com âmago daquilo que somos, da essência de cada um, portanto, essa sede de espiritualidade está lá”.
No último episódio desta temporada do Somar Ideias – um podcast da Renascença em colaboração com a Jornada Mundial da Juventude - não faltou o desafio final: se pudessem o que é que diriam, ou que pergunta faria ao Papa?
Ana Catarina perguntaria “o que é que é preciso fazer para que a Igreja se desinstale? Não só esta questão, de como falar às pessoas, mas nas suas estruturas e processos”. Como jornalista também procuraria falar “do papel dos meios de comunicação, e sobre a forma como a Igreja usa os media”.
Rui Teixeira gostava de o escutar. “Ele fala muito do diálogo intergeracional. Já são 10 anos de pontificado, gostava de o ouvir, encorajá-lo, e pedir que continue, porque não é fácil a sua missão e os desafios que tem, que nem metade sabemos”.
E aproveitaria para lhe contar que “a primeira vez que nos encontramos foi no metro de Madrid”, ainda Bergoglio não era Papa. “Agradecia por gostar de usar os transpores públicos e queria saber a quantas jornadas foi.
“Precisava de um almoço para lhe fazer todas as perguntas”, mas quereria saber mais sobre a importância dos leigos na Igreja para a próximas décadas. “O que é que nos é pedido? Como devemos ser e ajudar a levar esta Igreja para a frente?”.
Carlos Figueira diz que “antes de qualquer pergunta, queria agradecer”, porque o Papa “tem muita confiança nos jovens e desafia-nos sempre”. Aproveitaria para saber “qual é a sua passagem preferida da Bíblia” e, com a ambição de vir a ser pai, pediria conselhos sobre “como educar desde cedo os filhos na fé?”, por considerar que é “um desafio enorme”.