27 jun, 2024 - 10:00 • Francisco Sousa
Roberto Martínez tinha partido para a Alemanha com mais dúvidas do que seria de esperar. Os jogos de preparação deixaram a marca negativa dos vários golos sofridos e não existiu a adopção de um sistema-padrão mais fixo, ainda que a dada altura tenha parecido que o 4-3-3 ia ganhar raízes. O selecionador português tem decidido privilegiar, até pelo que temos percebido do discurso público, a flexibilidade tática, pretendendo dominar, sim, mas colocando um foco talvez excessivo no modelo e no sistema de jogo dos adversários.
Foi assim com a Chéquia, ocorreu ante a Turquia e mesmo com o 1º lugar garantido, não abdicou do princípio flexível frente à Geórgia. Movido pela necessidade da gestão individual, da condição física e do estado de ânimo de um plantel de 26 jogadores, o espanhol operou uma mudança tática, apimentada com oito trocas de jogadores por comparação com o duelo frente aos turcos. No fim da partida desta quarta-feira, Martínez garantiu ter ensaiado uma configuração semelhante no teste ante a Irlanda - não se percebeu a comparação, talvez se tenha focado nos três centrais ou na utilização de Félix mais por dentro, porque de resto não se registaram muitas semelhanças. Diogo Costa e Cristiano Ronaldo eram escolhas conhecidas desde a conferência de antevisão e Palhinha acabou por ser a novidade como elemento de continuidade. No centro da defesa, António Silva, Danilo e Gonçalo Inácio foram escolhas iniciais, da lateral direita partia Dalot, à esquerda morou um extremo como Pedro Neto a fazer toda a ala, ao meio foi João Neves a formar duo com Palhinha e Francisco Conceição (mais aberto) e João Félix acompanhavam CR7 no último terço.
Parece-vos bem? Ou muito confuso? Tudo isto seria concebível num plano teórico, mas o plano ofensivo resultou em posicionamentos estranhos aos jogadores, em momentos de certa barafunda tática e ainda vimos alguma incapacidade para lidar com desafios sem bola - como o erro que resultou no golo de Kvaratskhelia, em que António Silva teve responsabilidade técnica, mas depois não houve a cobertura ideal de Danilo na jogada, quer no posicionamento-base, quer na leitura da jogada (talvez com Pepe tivesse sido distinto…).
Na organização ofensiva, e ainda mais com o golo sofrido bem cedo, vimos uma equipa a ver-se obrigada a partir para cima de um adversário em 5-3-2, estruturado num bloco médio-baixo. A previsibilidade esteve praticamente ao mesmo nível do primeiro jogo, embora com jogadores de características distintas: a construção por dentro não se via beneficiada pela presença do 'tampão' Palhinha com bola nos três quartos do campo, acompanhado de um João Neves que não é um jogador criativo ou de ruptura, com Dalot também a incorporar terrenos centrais, quer apoiando no passe, quer aparecendo como unidade para rematar à baliza (e se até tem argumentos no disparo à entrada da área, já soa estranho vê-lo a corresponder a cruzamentos na área).
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A única unidade capaz de agitar as águas foi João Félix, surgindo a espaços, quer em combinação, quer a procurar margem para atirar à baliza. A partir da defesa, Gonçalo Inácio não conseguiu criar as vantagens habituais no passe, numa equipa que necessitava claramente de virar o centro do jogo com mais rapidez, até para poder apanhar o adversário desprevenido - mesmo com a presença de Francisco Conceição e Pedro Neto por fora, não houve muita capacidade de gerar desequilíbrio por via do jogo exterior na primeira parte.
Nos segundos 45 minutos, Martínez trocou Palhinha (excecional no trabalho defensivo, mas sem o maior conforto a combinar mais adiante) por Rúben Neves, mas não se viu necessariamente uma melhoria efetiva - o perfil que fazia falta era outro, mais próximo das características de Vitinha ou até de um Bernardo Silva. Com os dois golos de desvantagem, Martínez fez substituições, ainda que já parecessem estar planeadas - sobretudo a troca de Cristiano por Gonçalo Ramos e as saídas de jogadores como João Neves ou Pedro Neto. A equipa ganhou mais presença exterior (Nélson Semedo desde a direita, Conceição passou para a faixa esquerda) e mesmo com mais gente a chegar à área, foi precipitada na tomada de decisão.
Noventa minutos de uma pobreza fácil de constatar, com uma busca desesperada por cruzamentos de forma constante (sobretudo na etapa complementar) e com uma incapacidade nítida para gerar combinações mais proveitosas no jogo interior. 90 minutos que pela gestão tática e de adequação posicional podem ter alavancado mais questões do que certezas. 90 minutos que provocaram um discurso de alguma culpabilização para os jogadores quando o problema esteve mais na consequência dos testes e mudanças num jogo a sério do que nos erros, coletivos e individuais. 90 minutos para que Roberto Martínez possa refletir sobre se não será melhor assentar a base no 4-3-3, com variantes pontuais e aproveitando, por exemplo, as sinergias do jogo com a Turquia. 90 minutos em que o resultado foi o menor dos problemas.
O jogo entre checos e turcos fica indiscutivelmente marcado pela expulsão de Barák, por duplo amarelo, logo ao minuto 20. Ivan Hasek tinha-o escolhido para o onze depois da entrada criteriosa frente à Geórgia, de forma a ter alguém para ligar jogo na segunda linha e ativar o avançado-referência (Chytil). Mesmo assim, e na base de sempre, muito física, de aproveitamento de lançamentos, cruzamentos e segundas bolas, a Chéquia deu que fazer à defesa turca e teve aproveitamento, desde logo no lance do golo. Souček e Provod mostraram uma vez mais complementaridade no meio-campo (o homem do West Ham dá estabilidade e avança bem para rematar na bola parada, já o enérgico jogador do Slavia voltou a ameaçar nas aproximações à área).
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Do outro lado, a Turquia, no 4-2-3-1 do costume, apresentou um duplo-pivote novo (Özcan-İsmail Yüksek), soltando Çalhanoğlu para a 2ª linha, com Kadıoğlu a assumir o habitual protagonismo em construção e arrancadas a partir da esquerda e Arda Güler a ativar o remate de fora da área. Após o intervalo, Barış Alper Yılmaz ajudou a revolucionar o jogo, com movimentos à direita (como o que originou a jogada do 1-0), mostrando técnica refinada e potência de arranque. A equipa turca carregou a área com mais intenção (exemplo no golo de Çalhanoğlu) e resistiu com valentia na área ao jogo mais físico checo. No fim, o veterano Cenk Tosun acabou a ser o herói, num excelente remate. Kökçü esteve na assistência, numa prova de que o ouro para Montella estava no banco.
Novidade na Ucrânia para o jogo decisivo: Serhii Rebrov apostou num 5-3-2, com Svatok a entrar para o meio da habitual dupla de centrais Zabarnyi-Matviyenko (solução testada no particular com a Alemanha) e um trio de médios constituído por promessas a pedir o salto da liga ucraniana - Brazhko, Shaparenko e Sudakov. No ataque, Yaremchuk aproveitou o crédito do excelente golo frente à Eslováquia e foi titular junto a Dovbyk. Com algumas referências de marcação individual atrás, a Ucrânia foi conseguindo colocar travão na Bélgica e depois tinha arte para sair a partir dos centrais e enquadrar Shaparenko e sobretudo Sudakov com categoria nas costas dos médios dos Diabos Vermelhos. Faltou afinação no momento do último passe e remate, mas houve belíssimos desenhos ofensivos da Ucrânia.
Domenico Tedesco praticamente replicou a fórmula do triunfo face à Roménia, mas com a troca de Lukébakio (castigado) por Trossard. A dificuldade na comparação com o jogo anterior esteve na falta de capacidade de Tielemans para se inserir na segunda linha de meio-campo com mais frequência. Pareceu sempre que a equipa andou muito ao sabor da criatividade de KdB e de ocasionais momentos de explosão de Doku. Lukaku ainda teve uma desmarcação em rutura no 1º tempo e lances em apoio, mas a pontaria continua a desafinar. Nos segundos 45 minutos, Tedesco entendeu a necessidade de robustecer a linha intermediária e juntou ao 'polvo' Onana outro médio de perfil mais defensivo, Mangala. A equipa tornou-se menos permissiva mas a dependência de De Bruyne para estimular a criatividade mantinha-se. Do outro lado, Rebrov também fez várias mexidas e Malinovskyi até aproximou a equipa da baliza, mas foi Sudakov que esteve sempre ligado à corrente - faz a bola rodar, entra com facilidade em zonas adiantadas e possui uma técnica para outros patamares. A Ucrânia fica a lamentar não este jogo, mas sim o peso da derrota ante a Roménia a abrir o torneio e que paradoxalmente leva também a Bélgica a ter de se contentar com a 2ª posição.
Muito se especulou sobre a possibilidade de o Eslováquia-Roménia poder tornar-se num tédio absoluto, em termos técnico-táticos, dado que o ponto bastava a ambas para seguirem em frente. Nada disso. Os eslovacos, fiéis à estrutura em 4-3-3, mostraram uma vez mais recursos para construir, mesmo que o selecionador romeno tenha tido o cuidado de colocar uma vigilância especial em Lobotka (médios a marcarem médios), o que tornou Ondrej Duda indispensável para fazer a equipa crescer, na dimensão de saída de pressão e na chegada - bela finalização na área. O golo eslovaco foi, de resto, prova viva da diversidade desta equipa no ataque organizado: Škriniar virou o centro do jogo desde o lado esquerdo da defesa, encontrou Pekarík solto no lado direito, este deixou uma bola atrasada para Kucka na meia-direita e lá saiu a bela da assistência teleguiada para Duda. Também na bola parada se viram ameaças, mas a Roménia tinha resposta preparada, quer sabendo rentabilizar o papel dos médios a avançarem em campo (no habitual 4-1-4-1, com pontuais passagens para o 4-2-3-1 a defender), quer com movimentos interiores do lateral-direito Rațiu. O golo chegou de penálti, mas o trabalho de Ianis Hagi (filho de craque sabe jogar…) ante Hancko a originar o castigo máximo foi meritório.
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Na 2ª parte, acabou por existir também perigo dos dois lados do campo, potenciado pelas boas movimentações dos dois pontas-de-lança (Strelec e Drăguş) e com nomes como Haraslín, Schranz ou Dennis Man a agitarem a partir das faixas. O empate serviu bem a ambos, mas antes disso viu-se futebol em Frankfurt!
Estreia de sonho para os georgianos nos grandes palcos. Competitividade notável nos 3 encontros da fase de grupos, com o pináculo no triunfo decisivo frente a Portugal. Viu-se uma solidariedade impressionante sem bola, a fechar por dentro (jogo mais consistente dos 3 centrais) e a cobrir os corredores laterais e com um aproveitamento formidável da junção entre o melhor Kvaratskhelia do torneio e o impressionante Mikautadze (novamente destacado em apoio, no passe e a mostrar eficácia da marca dos 11 metros). Mamardashvili ou Kochorashvili são outras das figuras da equipa de Willy Sagnol.
O erro técnico a orientar o passe na origem do primeiro golo georgiano (podia ter escolhido a solução mais simples, abrindo jogo na direita) e o penálti cometido estragaram a estreia do jovem central a titular neste Europeu. Falhou, mas a culpa está muito longe de morrer solteira neste caso…