01 jul, 2024 - 23:55 • Hugo Tavares da Silva
Foi talvez o pior jogo da seleção portuguesa em fases finais de Campeonatos da Europa. O final feliz contra a Eslovénia deve-o apenas a um senhor: Diogo Costa. Contra decisões que auguravam capítulos trágicos, contra egos e contra a lei dos intocáveis, valeu Diogo Costa.
Nos minutos finais do prolongamento, Pepe pecou e o perdão chegou pelo guarda-redes do FC Porto, que cancelou a avassalante heroicidade nacional marcada na agenda de Benjamin Šeško. Depois, nos penáltis, parou três bolas. Foi um monstro com uma vassoura na mão.
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Se o selecionador está refém de um jogador, tem um problema. Cristiano Ronaldo não justificou jogar os 120 minutos, isto depois dos sinais pouco animadores contra a Geórgia, onde já apresentou um descontrolo emocional assinalável. Depois dos elogios e da suposta generosidade, Cristiano e a seleção voltaram a cair nos vícios antigos. O jogo parecia ser sobre Cristiano resolver a coisa.
O delírio coletivo, inflamado pelo “eu” mais “eu” dentro de campo, aconteceu quando Oblak defendeu o penálti de Cristiano Ronaldo, já no prolongamento. O capitão da seleção portuguesa chorou como um menino, completamente desconsolado. Alguns colegas trataram de ampará-lo e dizer-lhe coisas bonitas.
O descarrilamento da equipa foi inaugurado definitivamente antes disso, quando Roberto Martínez retirou do campo Vitinha, aos 65’, algo que se aproximava das maleitas mais indignas da heresia. O jogo, curiosamente, ficou mais parecido com o que preferiam os eslovenos, já havia explicado Katanec em entrevista à Renascença. Futebol direto, furioso, conservador e esperançoso. Um jogo partido dava-lhes trunfos. Portugal, que até começou bem e desligou e permitiu o crescimento do adversário, perdeu-se sem o farol. A previsibilidade voltava como um fantasma desavindo e as oportunidades de golo foram raras, muito raras, mas o técnico afirmaria, na conferência de imprensa, que a equipa “jogou muito bem”.
As mexidas de Roberto Martínez pioraram a equipa, parece consensual. Rafael Leão, sempre intermitente mas o único da frente que realmente desequilibrava, saiu para entrar Diogo Jota. A equipa ficou sem explosão, porque Nuno Mendes e João Cancelo (os melhores a par do médio do PSG) não tinham a liberdade devida para fazerem o que sabem fazer, e sem o refinado toque de Vitinha. Tudo piorou e a exibição tornou-se ainda mais medíocre .
Portugal estava perdido em campo e abusava das bolas longas e dos cruzamentos à espera da lenda que sai do meio do nevoeiro que o questiona. Bernardo Silva e Bruno Fernandes foram caindo até se tornarem meros figurantes. Palhinha era aquele emigrante sério muito sério e digno, cheio de dificuldades na lembrança, que mantinha a mala arrumada para qualquer eventualidade.
Antes do apito inicial, portugueses e eslovenos homenagearam Manuel Fernandes durante um minuto. Martínez voltava ao 4-3-3 com as suas variantes que vão sempre esbarrar na mesma ideia, mas o ponto de partida era diferente e, alegrem-se os que torciam o nariz, não se juntavam três centrais a João Palhinha. Do outro lado estava um 4-4-2 que defendia quase no meio-campo e que tentava encurtar as linhas, empurrando Portugal para as laterais. A energia do outro lado era admirável.
A bola preferia as botas dos portugueses. Os cruzamentos preferiam evitar as cabeças dos portugueses. A falta de timing de Cristiano, aquele ‘killer instinct’, também é um sinal. Os eslovenos melhoraram e até apareceram em situações de superioridade no ataque.
Cristiano andava à bulha com Vanja Drkusic e ia perdendo, irritando-se aqui e ali. Os livres diretos sucederam-se e o capitão assumiu todos, sem sucesso. Šeško começava a incomodar a sério. Antes do intervalo, Palhinha bateu na bola e ela foi beijar o poste.
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Com Cancelo a crescer, Portugal começou a ameaçar com outras ferramentas na segunda parte, apesar do jogo desgarrado. Valia o drible e a correria. Aos 76’, Martínez meteu Francisco Conceição por Rafael Leão. Ou seja, à esquerda, onde menos rende. Cristiano teve uma derradeira oportunidade, mas a canhota estava tão afinada como os restantes centímetros do corpo e da alma.
À partida para o prolongamento, o treinador espanhol que orienta Portugal mudou as peças e parece ter dado algum conforto aos jogadores: Bruno e Bernardo perto de Palhinha no meio, Jota na esquerda, Conceição na direita. À frente, como se não houvesse Gonçalo Ramos ou João Félix no banco, mantinha-se o intocável Cristiano.
O tal penálti chegou aos 103’. Jota correu meio-campo adentro da Eslovénia. Cristiano bateu e Oblak fez uma defesa assombrosa, sacudindo a bola para o poste. E Cristiano chorou.
Os penáltis chegaram e Ronaldo foi o primeiro a bater (coragem não lhe falta), depois de Ilicic falhar o seu. O antigo avançado de Fiorentina e Atalanta sofreu uma depressão por altura da pandemia e dos confinamentos e perdeu muitíssimo peso, esteve numa clínica e foi visitado por Gasperini, que lembrou que a nossa mente é uma selva. Depois de tanto, estar num Europeu é tremendo.
O espectáculo de Diogo Costa começou então, intercalado com os penáltis bem-sucedidos de Bruno Fernandes e Bernardo Silva.
Portugal sobreviveu, mas há muitíssimas questões por responder. Não se trata só de questionar a qualidade de jogo, mas também as opções do treinador, que, sem dúvida, esta noite desajudou a equipa.
Segue-se a França, nos quartos de final, em Hamburgo.