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Euro 2024

​Crónica. Jogar sem medo do outro é o caminho (mesmo quando se é infeliz no fim)

05 jul, 2024 - 23:35 • Hugo Tavares da Silva

Portugal perdeu nos penáltis contra a França, nos quartos de final do Euro 2024. Félix foi o único errante e Cristiano Ronaldo, que deu pouco à equipa, ficou em branco num Europeu pela primeira vez.

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Que não se fale em vitórias morais. Não é pouco, apesar da derrota por penáltis nestes ‘quartos’ do Euro 2024, jogar contra a França sem a temer, sendo melhor. Não foi assim contra o futebol-champagne de Platini, Giresse, Tigana e Fernández. Em 2000, contra Zidane e companhia, nem vale a pena falar. Em 2016, recatados como o bom português, esperou-se o milagre que, nas asas de uma traça, aconteceu.

Desta vez, não, foi diferente.

Vitinha jogou como jogam os deuses. Ou melhor, se formos buscar Fernando Pessoa: “Os deuses são deuses porque não se pensam”. Este centrocampista não se questiona. Muda de direção como o vento, mas o vento não tem uma bola na sola. É como aquelas pessoas que escrevem no teclado com todos os dedos, ou como o barman que faz aquelas manigâncias que pertencem ao circo. Foi o dono do jogo. Sabe por onde a equipa deve ir. É especial.

A França até começou melhor, ou pelo menos com mais bola, com Antoine Griezmann a variar os lados para ver se a defesa compacta de Portugal se esticava. Mal sabia o que estava por acontecer. João Cancelo e Nuno Mendes foram imensos, atrás e à frente, a irem para trás e a irem para a frente. Drible, energia, coragem e vertigem. Esperança.

Depois, há dois nomes incontornáveis: João Palhinha e Pepe, que acabaria em lágrimas. O primeiro será amado pelos adeptos do Bayern Munique por ter um lado mui alemão de tempos idos. Do outro lado até estavam Kanté, Camavinga e Tchouaméni, mas não chegaram. O segundo é uma história a roçar a fantasia. Tem 41 anos e vimo-lo a correr lado a lado com locomotivas como Thuram. O timing ainda está lá, até quando era superado e voltava a ganhar a posição. Nem faz sentido o central ter este nível.

Na primeira bola recuperada em condições, por Bruno Fernandes, mais uma vez anónimo, houve a tentativa de lançar Rafael Leão. Temeu-se que fosse o único plano. O avançado do AC Milan teve finalmente uma noite feliz. Parecia imparável. Bernardo aproximava-se do miolo onde os magos operam, tal como fizera no Mundial 2022, aparecia onde fazia falta. Sabe tudo, precisa de liberdade.

Com mais bola, Portugal não sabia encontrar o caminho para a baliza (seria o terceiro jogo seguido sem marcar um golo). Cedo começaram os burburinhos em surdina por Cristiano Ronaldo estar a dar tão pouco à equipa. Seria assim durante 120 minutos.

Não fez as corridas desejáveis para um avançado, não pressionou como seria ideal, não atacou bolas ao primeiro poste porque não é um 9 clássico, não driblou e desequilibrou. Tristes tempos em que temos de testemunhar o esfarelamento da dignidade imensa que Cristiano sempre teve em campo. Pela primeira vez ficou em branco num Europeu e há um dado, a reboque do MisterChi do X, assombroso: em 21 jogos de fases a eliminar de Mundiais e Europeus, o número 7 só fez três golos (Holanda-2004, República Checa-2012 e País de Gales-2016).

Bruno Fernandes foi o primeiro a tentar de longe. Theo Fernández respondeu, para boa defesa de Diogo Costa, o jogador a viver uma lua de mel com ele próprio. Kylian Mbappé tentava abanar pela esquerda, mas raramente faria mossa, sendo até substituído no intervalo do prolongamento (um desfecho que se observou sempre entre estas duas seleções em Europeus, seja em 1984, seja em 2000 ou 2016).

O jogo chegou a ser realmente aborrecido. O xadrez é real, os tempos modernos amam a estratégia, o rigor, o encaixe de peças do puzzle e o jogo mastigado, se necessário. A França nem tinha pudor em demonstrar que não estava virada para jogar futebol.

A partir dos 60 minutos, os guarda-redes surgiram finalmente. Bruno Fernandes bateu cruzado, na área, mas Maignan foi eficaz. Vitinha, com um bombom oferecido por Leão, foi quase, quase feliz, também já dentro da pequena área quase, mas o guarda-redes francês voltou a travar o festim lusitano. Muani, exatamente como naquele lance derradeiro contra a Argentina na final do Catar 2022, viu Rúben Dias, atirando-se para o chão, a semear mais insónias na sua mente.

Quando Dembélé entrou, a França agigantou-se. Lá está, vivem de suspiros individuais. E Camavinga esteve a centímetros do golo, depois de uma jogada do extremo do PSG. Este, sim, é como o vento. Martínez preferiu reforçar o outro lado, com Nélson Semedo e Francisco Conceição, o que melhorou aquele corredor. O canhoto do FC Porto esteve em alguns momentos de perigo.

Gonçalo Ramos e Diogo Jota continuavam sem entrar, quando o avançado da seleção portuguesa já não tinha condições para ajudar a equipa. Até Mbappé saiu, aos 105’, com queixas no nariz, no qual colou um saco de gelo. Barcola foi o escolhido para substituir o futebolista a quem lhe escapa a aura longe dos Campeonatos do Mundo. Também João Félix entrou nessa altura e pouco depois teve uma das melhores oportunidades. O cabeceamento saiu à rede lateral.

O apito soou e os penáltis iam ditar o fado desta gente. Só Félix falhou, com um remate ao poste, e assim ficava decretado o regresso a Portugal desta gente que, apesar das intermitências durante o torneio, acaba a deixar orgulhosos os portugueses. A mudança de mentalidade é um dado positivo. O dado negativo é um e só um: porque se manteve em campo alguém, durante 120 minutos, que pouco contribuiu para a equipa? Será Cristiano Ronaldo ou o seu legado mais importante do que o desempenho da seleção nacional?

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