10 jul, 2024 - 10:00 • Francisco Sousa (comentador e analista)
Dançar com adversários não é para todos. Dançar com o rival que disse no dia anterior que «Lamine Yamal tinha de fazer mais, se quisesse ir à final do Europeu» é de um nível estratosférico. A dança chega a parecer metáfora, mas foi bem real: num jogo amarrado para a Espanha, o menino culé entrou pelo corredor central, fez Rabiot hesitar, entortou-o e rematou colocado, lá de longe, sem chance de defesa para Maignan.
E assim a Roja se lançou para o empate depois de um início de jogo exigente, com a França a saber aproveitar algumas das fragilidades defensivas espanholas para chegar à vantagem - Dembélé rodou jogo para a esquerda, para deixar Mbappé em vantagem no 1x1 com Jesús Navas e o reforço do Real Madrid serviu um cruzamento de excelência para a finalização de Kolo Muani, entre Laporte e Cucurella.
Só que se ergueram dois génios do futebol associativo, Lamine Yamal e Dani Olmo, ambos da fornada de La Masía e admiradores da arte de Leo Messi - com quem ambos tiraram fotografias ainda pequenos. No primeiro golo, e antes da obra-prima do craque do Barça, Dani Olmo teve uma rotação sublime sobre Rabiot, em zona interior. O golo decisivo também começou por aí: Yamal aproveitou um desajuste no acompanhamento de Tchouaméni a Olmo, meteu a bola entrelinhas, o craque do Leipzig abriu para Jesús Navas na direita (padrão clássico, a alternar entre corredores) e foi à área apanhar as sobras do alívio do defesa, apontando mais um golo de qualidade técnica ímpar - os toques prévios ao remate decisivo são de jogador de elite.
Lamine Yamal, o mais jovem de sempre a marcar num (...)
Deschamps encarou o jogo com a preocupação de ter Kanté a importunar a entrada da bola no cerebral Rodri, mas a Espanha achou soluções para sair por via dos centrais (até Nacho arriscou no passe e condução) ou ativando Fabián ou Olmo, quando o médio do Man. City estava tapado. Luis de la Fuente adiantava Dani Olmo para a pressão junto de Morata, para que a progressão gaulesa não fosse tão facilitada, mas a mina de ouro da fase inicial do jogo esteve nas ligações diretas de Dembélé para a ala esquerda e em particular para Mbappé.
No 2º tempo, o selecionador francês arriscou três trocas de seguida, numa altura em que as aproximações à área só chegavam por via de combinações entre lateral e extremo por fora e na busca pelos cruzamentos. Barcola trouxe vitalidade, mas a equipa perdeu o que estava a ter de bom na pressão.
O jogo tornou-se no recreio de Rodri na parte final, sempre com o apoio na medida certa da balança de Fabián Ruiz e com jogadores como Merino e Zubimendi a perceberem a dinâmica de gestão na circulação. A França só ameaçou de verdade numa situação em que Barcola ativou Mbappé em campo aberto. Quando Didier Deschamps teve de arriscar, fê-lo de forma precipitada, partiu a equipa e só ameaçou por fora. Mesmo com um quarteto atacante, em mais uma alteração tática do selecionador gaulês neste Europeu.
A fotografia de uma ação solidária da UNICEF e do Barça lá pelo Natal de 2007 em que Messi aparecia a dar banho a um bebé virou viral nos últimos dias, pelo lado premonitório. Esse rapazinho é agora um dos novos heróis da Espanha, a poucos dias de completar 17 anos de idade, isto já depois do brilhantismo demonstrado no emblema blaugrana. O golo à França é o corolário de um Europeu luxuoso, em que tem demonstrado uma capacidade extraordinária para se associar por dentro, para driblar, para cruzar em forma de passe delicado para a área e já agora para procurar a baliza, com a canhota (ainda teve outra oportunidade gloriosa para faturar).
Percebendo a necessidade de arriscar, o selecionador da França expôs a equipa num meio-campo que já tinha demonstrado dificuldade a filtrar passes interiores dos espanhóis nos lances dos golos. Kanté estava a perseguir Rodri, foi substituído e Griezmann assumiu o papel (está claro que não sente conforto no trabalho sem bola). A gestão de posse dos médios espanhóis ficou assim mais facilitada.