27 abr, 2020 - 18:18 • José Pedro Pinto
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David Caiado é o rosto e a voz de uma situação potencialmente explosiva no futebol romeno. O avançado de 32 anos é um de seis portugueses que compõem o plantel do Hermannstadt, clube da da Primeira Liga que tem salários em atraso desde dezembro último e que enveredou pela escapatória decretada pelo Governo da Roménia para empresas em plena pandemia da Covid-19.
Contas feitas, o produto é complicado de digerir: sem receber ordenado desde dezembro, David Caiado e os restantes companheiros de equipa viram os contratos ser suspensos temporariamente.
Em Estado de Emergência até 16 de maio, o Governo romeno permite este expediente às empresas. Metade das equipas da Primeira Liga já avançaram para esse recurso - não é unânime entre os clubes - o que na prática representa um corte de 95% dos salários. O Estado, nestes casos, atribui um subsídio mensal a quem seja afetado, na ordem dos 400 euros.
"A 27 de março fomos informados de que os nossos contratos seriam suspensos provisoriamente", começa por relatar David Caiado, a Bola Branca, um mês depois de ver o contrato "congelado".
"Ficámos surpreendidos e tristes pela forma fria como o clube abordou esta situação. O Governo romeno permite que as empresas suspendam os contratos enquanto vigore o estado de emergência. Nesta fase, estamos a receber 400 euros do Estado. No meu caso, significou um corte salarial na ordem dos 95%. Aliado ao facto de estarmos sem receber desde dezembro, torna a situação um pouco complicada", prossegue.
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Os guarda-redes Cristiano e Emanuel Novo, o defesa Tiago Almeida, o médio Afonso Taira e o avançado Yazalde são os restantes jogadores portugueses do Hermannstadt, em permanente contacto uns com os outros. Todos no plantel vão conseguindo pagar despesas mas, se a situação se prolongar, será inevitável passar por dificuldades.
"Estamos em contacto permanente e vamos trocando opiniões. Para já, não há grandes dificuldades. Ajuda o facto de muitos dos jogadores terem passado por Primeiras Ligas e serem pessoas bastante equilibradas. No entanto, é inevitável: se a situação se prolongar durante mais algum tempo, haverá problemas. O que nos leva a pensar, nesta altura, é se vale a pena estar longe da família para passar por situações destas", desabafa o dianteiro, cuja formação foi feita no Sporting.
Ora, sem receber salários por inteiro desde dezembro, impõe-se a pergunta, suportada na lei romena, que permite rescisões unilaterais dos contratos a partir de dois meses de incumprimento.
"Porque é que ainda não rescindi? São 12 anos a jogar fora de Portugal, com situações financeiras e momentos difíceis que me permitem ter agora alguma tranquilidade. Seria incorreto aproveitar um momento de fragilidade do clube e na situação que estamos a atravessar para rescindir contrato. A minha esperança é que possamos começar a treinar e jogar, o quanto antes", justifica, desejando que "o clube também tenha a vontade de resolver este problema financeiro o mais rapidamente possível".
Nesse sentido, David Caiado apela a decisões estruturais de FIFA, UEFA e federações que visem proteger jogadores e treinadores de gestão danosa dos clubes e de tratamento cruel.
"Nós, jogadores, acabamos por ser prejudicados por uma gestão desportiva irresponsável", aponta. "É uma oportunidade única para as ligas e federações assegurarem que os clubes têm meios para cumprir as obrigações contratuais que estabelecem com jogadores e treinadores, de forma a dar um ambiente mais saudável ao futebol. Temos de acabar de vez com as pessoas que se aproveitam do futebol e que tratam jogadores e treinadores de forma desumana e cruel, por vezes", dispara.
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De regresso a Portugal, junto da família, David Caiado revela a Bola Branca os planos para o regresso aos treinos e à competição. Lá, como em Portugal, já se equaciona concentrar o que resta do campeonato numa determinada região - capital ganha força - ou levar o final da Liga para lá da fronteira.
"A informação que recebi do treinador é a de que o objetivo é começar a treinar a 17 de maio, um dia após o fim do Estado de Emergência na Roménia e recomeçar a Liga a 3 de junho e terminar a 28 de junho. O local ainda está por definir. Já surgiram várias hipóteses: deslocar todas as equipas para Bucareste e disputar lá os jogos que restam. Outra é deslocar todas as equipas para Antalya, na Turquia. Neste momento, há uma incerteza muito grande. O que o treinador me pediu é que esteja preparado, física e psicologicamente, para recomeçarmos os treinos dia 17 de maio", adianta.
Uma coisa é certa: tal como a UEFA, David Caiado que explorar ao máximo o fator-tempo para aferir condições sanitárias que permitam a conclusão dos campeonatos dentro de campo. A bem da verdade desportiva.
"A mensagem da UEFA é muito clara. A própria decisão de anular o Europeu, tem como objetivo o término das ligas. Há dois fatores, no meu entender, muito importantes: a verdade desportiva e o fator económico. No entanto, para mim, como jogador, em primeiro lugar está a saúde de todos. Quando estiverem reunidas todas as condições, aí sim, voltar aos treinos e voltar às competições de forma a que as ligas se possam decidir dentro de campo", remata David Caiado, jogador português que cumpre o segundo ano de contrato com os romenos do Hermannstadt.
Na Roménia, o novo coronavírus já provocou mais de 600 mortos. O número de infetados supera a fasquia dos 11.000 casos, numa população total de 19 milhões de habitantes.