28 mar, 2024 - 15:20 • Eduardo Soares da Silva
Vinícius Jr. é a maior cara da luta contra o racismo no futebol nos dias de hoje. Mas, há 50 anos, o inglês Laurie Cunningham foi o primeiro rosto contra a discriminação racial.
Nascido em 1956, Laurie tornou-se o segundo negro da história da seleção inglesa, acontecendo o mesmo com a camisola do Real Madrid, sucedendo a Didi.
Dispensado da academia do Arsenal, destacou-se no Leyton Orient, hoje um clube discreto da capital inglesa e com uma estátua de Laurie erguida junto ao estádio. Era descrito como um extremo talentoso e deu o salto para o West Bromwich Albion em 1976. E foi aí que convenceu o Real Madrid a quebrar o seu recorde de transferências. Custou mais de um milhão de euros.
Apesar de ter sido um jogador vistoso, à semelhança de Vinícius Jr., Laurie Cunningham deixou uma marca forte na história do futebol pelo perfil fora do relvado.
Espanha
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Filho de pais jamaicanos, Laurie era representativo dos "soulboys", uma subcultura londrina com origem na classe trabalhadora, fãs de música soul e frequentadores de bares alternativos da capital. Vestia-se de forma diferente e tinha um tom de pele diferente da maioria. E, por isso, não escapou ao abuso.
O filho Sergio, em declarações recentes à Cadena SER, recordou alguns episódios de violência que marcaram a vida do pai: foi vítima de ataques com cocktails molotov, recebeu cartas com balas em casa e cortaram-lhe os travões do carro.
"Ver um negro numa camisola da seleção inglesa era o maior insulto do mundo. O racismo era um reflexo da sociedade dessa altura no Reino Unido. Andavas pelo país e existiam sítios com placas a proibir a entrada de irlandeses, cães e negros", recorda o filho.
Cunningham era de tal forma talentoso que convenceu o Real Madrid. Mudou-se para Espanha em 1979 e esteve cinco anos ligado aos "merengues". Espanha está hoje no olho do furacão do racismo no futebol, mas a realidade da altura era outra.
"O meu pai não sentiu racismo em Espanha. Tenho a certeza que ficaria surpreendido que continuamos a discutir esse assunto nos dias de hoje", considera o filho do antigo avançado.
Cunningham fez parte de uma geração que começou a derrubar muros no desporto inglês. "O estilo dele era diferente, também não existiam redes sociais para se falar tão abertamente. Nunca retaliavam, estavam acima do abuso", recorda a sobrinha Rhodene à agência AFP.
"Ele preferia confrontar as pessoas ao convidá-las para se sentarem com ele a conversar sobre o assunto", explica a familiar.
O esforço não foi em vão. Michael Robinson, antigo campeão europeu pelo Liverpool, afirmou que "graças a Laurie, as crianças negras podem sonhar em ser alguém em Inglaterra".
E não faltam exemplos no atual plantel da seleção inglesa: Jude Bellingham, Bukayo Saka, Ivan Toney, Marcus Rashford e Joe Gómez.
Laurie fez apenas seis internacionalizações pelos "three lions" e a carreira ficou comprometida após sucessivas lesões graves. Passou pelo Manchester United, Gijón, Marselha e Leicester, mas não voltou ao mesmo patamar de elite.
Ainda regressou a Madrid para duas épocas no Rayo Vallecano, clube com história ligada à classe trabalhadora e causas sociais. Laurie foi campeão espanhol e jogou uma final da Taça dos Campeões Europeus pelo Real Madrid, mas hoje é mais reconhecido e acarinhado no Rayo do que no gigante vizinho.
A história de Laurie tem um fim trágico. Morreu em 1989, em Madrid, vítima de um acidente de viação, com apenas 33 anos de idade.