16 dez, 2024 - 12:10 • Hugo Tavares da Silva
Aquele pedaço de história da oralidade aconteceu a 26 de maio de 1999, no Camp Nou, em Barcelona. Era certinho que o Bayern Munique ia vencer mais uma Liga dos Campeões. Mario Basler marcou logo aos cinco minutos. O jogo não foi belo. E a beleza chegou em forma de drama, semeando água nos olhos de Kuffour.
Teddy Sheringham marcou aos 90’+1 e Ole Gunnar Solskjaer meteu o segundo aos 90’+3. Dramático. Na entrevista rápida, Alex Ferguson ainda não estava em si e atirou as mágicas palavras “football, bloody hell”. Foi como se tivesse sido sovado pela mais mística camada do futebol. Foi o segundo título europeu para o Manchester United, depois de 1968 (final contra o Benfica).
Já segue a Bola Branca no WhatsApp? É só clicar aqui
Sensivelmente 25 anos depois, Ruben Amorim viveu uma noite parecida, ainda que com menos importância. No dérbi de Manchester, o seu primeiro, depois de um pobre jogo, o United virou o resultado em 115 segundos nos momentos finais da partida. Bruno Fernandes empatou de penálti e Amad Diallo virou o marcador.
“Apareceu o ‘fergie time’ e algo de mágico aconteceu”, sentenciou Amorim.
‘Fergie time’ foi como ficaram conhecidas as famosas cambalhotas no marcador, à última hora, do Manchester United de Alex Ferguson. Toda a gente já sabia que aquela gente ia lutar até ao fim. É talvez um dos maiores desafios de Ruben Amorim em Inglaterra, pelo que parece pouco inocente a referência.
Enfim, “football, bloody hell”, certo?
Para este jogo, o treinador português deixou de fora Marcus Rashford e Alejandro Garnacho, o que soou os alarmes por todos os cantos do Reino Unido (e confirmou que há fugas de informação, o que Amorim considera ser impossível de travar). Os jornalistas pediram-lhe explicações e ele deu, respaldado por um resultado que dá força a qualquer decisão.
“Para mim, é importante a performance nos treinos, nos jogos, a forma como te vestes, como te alimentas, a forma como interages com os teus companheiros, a maneira como os apoias”, começou por dizer Amorim, que aterrou em Carrington no dia 11 de novembro, depois de um início também ele mágico em Alvalade.
"Hoje, a equipa provou que podemos deixar qualquer um de fora e ganhar, se jogarmos juntos", continuou. “Tudo é importante. No nosso contexto, no início de algo, quando queremos mudar muitas coisas, quando as pessoas no nosso clube estão a perder o seu emprego, temos de meter os padrões [de exigência] muito altos.”
O gentil e sorridente treinador “mostrou os dentes”, como escreveram em Inglaterra. Rashford e Garnacho saem muitíssimo sinalizados por esta opção e resta agora a curiosidade sobre como vão reagir. É que a equipa sobrevive sem eles e o comboio não espera.
“Next week, next game, new life”, disse ainda o ex-treinador do Sporting, como que dizendo que vão todos a tempo de mudar o guião. A decisão, obviamente, levou ao comentário dos comentadores.
Os ‘pundits’ Gary Neville e Roy Keane, dois históricos futebolistas do United, chocaram de frente com a ideia de Micah Richard, formado no City, enquanto este desculpava Rashford pela enorme pressão que sofre. Neville lembrou David Beckham e a exigência. Keane fez o mesmo. Se não corresses para trás, o treinador não ia deixar, e os jogadores também não, disse o antigo trinco por outras palavras sobre Rashford e os seus tempos.
Ou seja, a arrojada opção do português tem a simpatia de gente com peso na história do clube. E isso não é pouco, sobretudo quando surgirem aqueles momentos em que os resultados não vão acompanhar as boas intenções.
Depois de dar nova vida ao ‘fergie time’, e logo numa vitória contra um desmazelado e penoso Manchester City de Pep Guardiola (que frase improvável há umas semanas), Ruben Amorim inaugurou a primeira exposição do seu punho de ferro e a forma como pretende guiar este grupo de jogadores.