06 jan, 2021 - 14:00 • Olímpia Mairos , Luís Aresta
Eram quatro e entraram pelas portas do Sport Clube de Mirandela adentro, munidos de pistola.
Foi assim que, há cerca de dois meses, os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) se apresentaram perante o presidente do Mirandela, Carlos Correia. O objetivo da "missão" era detetar casos de tráfico de seres humanos, imigração ilegal e falsificação de documentos, que abundam nos escalões inferiores do futebol português.
O dirigente do emblema da Associação de Futebol de Bragança – atual 4º classificado da Série A do Campeonato de Portugal – confirma a atuação do SEF, em declarações à Renascença.
“Tivemos aqui a visita do SEF e eu até lhes disse ‘ainda bem que vieram, porque o Sport Clube de Mirandela quer sempre ter os jogadores legais e o caminho terá de ser esse’”.
Ainda assim, o presidente do Mirandela nota que “hoje em dia não é fácil para um jogador pedir a manifestação de interesse, porque é tudo 'online'”.
“São os próprios jogadores que têm de fazer isso e é um bocado mais complicado. Seria mais fácil nós, clubes, ir com eles ao SEF e o atendimento ser na repartição do SEF, mas isso é impossível”, explica Carlos Correia.
O presidente do Sport Clube de Mirandela sublinha as dificuldades burocráticas com que se depara para a legalização de atletas estrangeiros. Carlos Correia admite que possa haver jogadores no clube cujo processo de regularização não esteja totalmente concluído, mas confia que tudo está a ser feito dentro da lei.
Segundo a investigação, dirigentes e agentes despo(...)
“Há um jogador ou outro que têm de fazer a manifestação de interesse para ficarem legais, mas é muito difícil conseguirem a chamada para serem atendidos”, constata.
O dirigente do Mirandela acredita que o clube não regista qualquer caso de inscrição ilegal, mas admite que qualquer clube pode “cair em erro”.
Clubes amadores, como o Mirandela, têm grande dificuldade em perceber se os agentes dos jogadores estão ou não a apresentar documentos falsos, assinala Carlos Correia.
“Isto é um clube amador e nós andamos aqui por carolice, não somos remunerados, não somos um clube profissional, como é que nós conseguimos detetar se o documento é verdadeiro ou é falso?”, questiona o dirigente, sublinhando que confiam nos agentes, nos empresários, para concluir que “é capaz de haver aí muito caso com muita falcatrua”.
Nesta entrevista à Renascença, o presidente do Sport Clube Mirandela remete para a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) responsabilidades acrescidas em toda esta matéria.
No entender de Carlos Correia, o organismo que tutela todo o futebol em Portugal deveria ter um papel mais proativo, bloqueando a inscrição de jogadores à mínima dúvida.
“Nós mandamos para lá uma inscrição e eles automaticamente deviam dizer logo que não havia hipótese de inscrever”, defende, argumentando que “era a melhor solução para os clubes”, cabendo, depois, aos agentes “resolver esse problema, porque os jogadores são deles, porque esses agentes é que ganham dinheiro com eles, não somos nós”.
“Eu mando uma inscrição de um jogador, chega lá, vê que não está tudo direitinho, não inscrevia o jogador, ficava logo bloqueado”, conclui Carlos Correia.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) tem em marcha 40 inquéritos-crime que envolvem clubes do 3º escalão nacional e divisões distritais.
Segundo o Jornal de Notícias, nos últimos dois anos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras levou a cabo 107 ações de fiscalização em associações desportivas ou clubes de futebol, tendo sido detetados 110 cidadãos em situação irregular.
Fonte do SEF, citada pelo JN, indica que foram constituídos arguidos 26 pessoas e 10 clubes ou associações desportivas. Dois cidadãos foram detidos por suspeitas de crime de tráfico de seres humanos, auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos.
Grande parte dos 40 inquéritos-crime atualmente em investigação no SEF tiveram origem em fiscalizações direcionadas.