21 mar, 2024 - 16:15 • Inês Braga Sampaio
É importante mostrar que os comportamentos racistas em espetáculos desportivos têm consequências, de forma a desencorajá-los e, por outro lado, encorajar a denúncia, conforme explica o presidente da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) à Renascença, a propósito do Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial.
"A discriminação racial, infelizmente, existe e, tal como na sociedade, também existe e manifesta-se em espetáculos desportivos. Temos tentado aumentar a nossa capacidade de conhecer os casos que existem, porque nem sempre são reportados", assume Rodrigo Cavaleiro.
A APCVD entrou em atividade, com sede em Viseu, em 2019. Desde então, os números de denúncias de racismo, intolerância e outras formas de violência no desporto "têm flutuado, ainda assim, a tendência geral tem sido de um aumento do reporte".
Segundo dados fornecidos pela autoridade à Renascença, antes de 2019 tinham sido registadas 21 situações relacionadas com racismo ou xenofobia em contexto de espetáculos desportivos. Desde que a APCVD iniciou atividade, foram denunciados 110 ocorrências: 17 em 2019/20, uma em 2020/21 (o desporto parou e, depois, decorreu sem adeptos, devido à pandemia de covid-19), 21 em 2021/22, 39 em 2022/23 e, à data do levantamento destes dados, tinham sido feitas 11 denúncias em 2023/24.
Do total de 110 denúncias, 39 foram encaminhadas para o Ministério Público por existência de indícios de prática de crime. As restantes 71 deram lugar a processos de contraordenação instruídos pela APCVD.
Nos casos de condenação, para além das coimas aplicadas (entre 1.750 e 50.000 euros), foram também aplicadas 25 medidas de interdição de acesso a recintos desportivos por infrações relacionadas com racismo ou xenofobia.
Para o presidente da APCVD, o acréscimo de denúncias "resulta do aumento da sensibilização do cidadão geral e de todos os intervenientes".
"Cada vez mais as pessoas não estão dispostas a compactuar com estas situações e denunciam", sustenta Rodrigo Cavaleiro, que assinala que desde o início que "estava sinalizada a necessidade de reduzir o sentimento de impunidade".
O presidente da APCVD refere que as medidas têm vindo a ser adotadas "com a maior celeridade possível". Desde logo, através da interdição do acesso a recintos desportivos a pessoas identificadas por atos de discriminação racial em contexto desportivo, assim como da condenação a que estarão sujeitas "caso exista matéria de prova" para isso.
"Leva também a que as pessoas acreditem que vale a pena denunciar e que há consequências para essas infrações. Acredito que possam subir os números reportados e as condenações conseguidas por este tipo de casos e que isto tenha um efeito de cada vez mais isolar as pessoas que, infelizmente, insistem neste tipo de comportamentos completamente contrários àqueles que pretendemos que o desporto promova", remata.
Desde a sua criação, a atividade da APCVD partiu do pressuposto de agir conforme as prioridades. Ou seja, centrar-se nas situações já identificadas como críticas a que tinha de ser dada uma resposta.
"Um exemplo claro, a falta de medidas de interdição de acesso a recintos desportivos, uma medida absolutamente essencial. No fundo, reduzir os episódios de violência, intolerância e discriminação reduzindo também a presença de pessoas responsáveis por esses comportamentos", explica o presidente da organização.
Rodrigo Cavaleiro destaca a contribuição das federações desportivas, da Liga Portugal, dos clubes e das forças de segurança no apertar da rede aos comportamentos violentos e discriminatórios, "que permite que se trabalhe muito mais na área da prevenção, mas também na repressão".
No caso do racismo, sinaliza o trabalho desenvolvido com a Comissão Para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, entre outros.
"Todo um caminho ainda por fazer, mas houve um grande progresso na resposta que conseguimos dar", enaltece o presidente da APCVD.
O caso de Marega, então jogador do FC Porto, que abandonou o jogo com o Vitória de Guimarães, em fevereiro de 2020, ajudou a chamar a atenção para os episódios de racismo em Portugal. Oito meses mais tarde, os adeptos em causa foram proibidos de entrar em estádios.
No dia 10 de fevereiro de 2024, o jogo entre Farense e Famalicão foi interrompido, durante cinco minutos, depois de um adepto ter alegadamente dirigido um insulto racista a Chiquinho, dos minhotos. Dois dias depois, o adepto tinha sido identificado, constituído arguido e impedido de entrar em recintos desportivos.