06 jan, 2020 - 13:50 • Redação com Lusa
O antigo preparador físico do Sporting Márcio Sampaio revelou, esta segunda-feira, palavras potencialmente comprometedoras do então presidente leonino, Bruno de Carvalho, na véspera do ataque a Alcochete.
Márcio Sampaio foi ouvido durante a manhã, na 16.ª sessão do julgamento da invasão à Academia do Sporting, que decorre no Tribunal do Monsanto, em Lisboa. O preparador físico relatou a "surreal" reunião entre a equipa técnica liderada por Jorge Jesus e Bruno de Carvalho.
"Foi uma reunião surreal, pela quantidade de coisas que foram ditas. A reunião serviu para o presidente dizer que era o fim da linha, que não tínhamos mais condições para continuar, e para justificar o que tinha acontecido entre jogadores e adeptos na Madeira. Que estava em casa e que passou a madrugada - que esteve até às tantas da manhã - a falar ao telemóvel com o líder da claque Fernando Mendes, que queria o contacto, a morada do Acuña. Disse: 'vocês nem sabem o que é que estava a ser preparado'", relatou a testemunha.
Questionado sobre o que é que Bruno de Carvalho quis dizer com "vocês nem sabem o que é que estava a ser preparado", Márcio Sampaio especulou que o então presidente do Sporting tinha "supostamente desmontado" algo que estava a ser planeado pelos adeptos.
A reunião decorreu a 14 de maio de 2018, no dia seguinte à derrota do Sporting contra o Marítimo, por 2-1, que significou a perda do segundo lugar do campeonato para o Benfica e levou à troca de palavras entre jogadores e elementos da claque Juventude Leonina. Primeiro no relvado, após o jogo, e depois no Aeroporto do Funchal.
Márcio Sampaio explicou que a reunião foi marcada por Bruno de Carvalho na sequência dos acontecimentos da Madeira e que estiveram presentes outros três ex-administradores da SAD do Sporting.
"Entendemos que estávamos despedidos. O treinador [Jorge Jesus] perguntou 'como é que vai ser?' e ele [Bruno de Carvalho] respondeu: 'vocês vão para casa, vou falar com os advogados do clube, que vão falar com os vossos advogados'. Perguntámos sobre o treino de amanhã [terça-feira, 15 de maio]. Ele respondeu: 'vocês aguardem, ainda não comuniquei ao departamento jurídico, marquem o treino para a tarde para me dar tempo para tratar da rescisão. Convém que se, de manhã, não vos entregarem nada, e estou a ser vosso amigo, apareçam no treino à tarde'", descreveu o antigo preparador físico do Sporting.
Márcio Sampaio, que se mantém na equipa técnica liderada por Jorge Jesus, atualmente no Flamengo, do Brasil, contou que foi o primeiro elemento da equipa técnica a chegar à academia de Alcochete, a 15 de maio. Relatou que o deixaram entrar, tendo informado depois os restantes elementos que também se deslocaram para a academia de Alcochete, onde acabaram por almoçar.
Quanto ao ataque, Márcio Sampaio explicou ao coletivo de juízes que estava no ginásio e relatou ter visto lesões em vários profissionais do clube.
"Vi o Bas Dost, que já estava no departamento médico, e o Raul José tinha levado com um cinto, ficou com uma marca no corpo na zona do ombro. O professor Mário Monteiro tinha marcas de uma tocha atirada para a sua zona abdominal", descreveu a testemunha, acrescentando que o balneário "não estava como costumava estar".
Após o ataque, o preparador físico afirmou que Bruno de Carvalho chegou à Academia na companhia do então diretor desportivo, André Geraldes.
"Eles chegaram, dirigiram-se ao balneário e os jogadores saíram. Perguntou 'o que é que tinha acontecido' e eu respondi: 'é isto o que está aqui a ver', e saí", descreveu Márcio Sampaio.
O preparador físico admitiu "medo e receio", sobretudo nos dias seguintes. Isto porque não sabiam quem eram as pessoas encapuzadas que os atacaram "no local de trabalho", ao passo que essas pessoas sabiam quem eram os profissionais do Sporting.
Da parte da manhã, estava prevista audição ao ex-central do Sporting André Pinto, que pediu ao tribunal para testemunhar na manhã do dia 8 de janeiro. O julgamento prossegue à tarde, com a inquirição de Rui Patrício, atualmente nos ingleses do Wolverhampton, através de Skype.
A 15 de maio de 2018, um grupo de cerca de 40 indivíduos encapuzados, da claque Juventude Leonina, invadiram a Academia do Sporting, em Alcochete, e agrediram jogadores, staff e membros da equipa técnica. O julgamento decorre no Tribunal do Monsanto, com 44 arguidos.
Bruno de Carvalho, ex-presidente do clube, Mustafá, líder da Juventude Leonina, e Bruno Jacinto, ex-oficial de ligação aos adeptos do Sporting, estão acusados, como autores morais, de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.
Os três arguidos respondem, ainda, por um crime de detenção de arma proibida agravado. Mustafá está acusado de um crime de tráfico de estupefacientes, segundo a a acusação do Ministério Público (MP).
Aos arguidos que participaram diretamente no ataque à academia, o MP imputa-lhes a coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.
Estes 41 arguidos vão responder, ainda, por dois crimes de dano com violência, por um crime de detenção de arma proibida agravado e por um crime de introdução em lugar vedado ao público.