26 jun, 2016 - 20:29 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Com uma personalidade tão polarizadora e tão controversa quanto Donald Trump não surpreende que as eleições presidenciais de Novembro nos Estados Unidos se estejam a transformar numa espécie de referendo ao candidato.
Dir-se-á que todas as eleições presidenciais o são, uma vez que a política na América – mais do que na Europa – é profundamente fulanizada e (quase) tudo depende do juízo que os eleitores fazem dos candidatos.
Mas este ano, graças ao tipo de personagem em presença e ao facto de Trump ser um outsider, a tendência para referendar o candidato acentua-se. Sobretudo porque no seio do próprio Partido Republicano, pelo qual ele se candidata, são poucos os que se identificam publicamente com o candidato e muitos os que não se revêem nele, nem vêem nele reflectidos os valores do partido.
E, neste aspecto, o mínimo que se pode dizer é que Trump não se está a sair bem no teste. À medida que mais americanos prestam atenção às eleições e em particular ao multimilionário, os juízos negativos aumentam.
Uma sondagem publicada este domingo pelo jornal “Washington Post” e pela cadeia de televisão ABC atribui a Hillary Clinton uma vantagem de 12 pontos percentuais (51-39), apenas um mês depois de ter colocado Trump dois pontos à frente (46-44), no momento em que ele tinha garantido a nomeação pelos republicanos.
Um mês bastou para os números se inverterem e cavarem uma grande distância entre os dois candidatos. E porquê? Essencialmente porque cerca de dois em cada três americanos pensam que Trump não é qualificado para dirigir o país; sentem mesmo alguma angústia com a ideia de ele se tornar presidente; vêem os seus comentários sobre mulheres, minorias em geral e muçulmanos em particular como injustos e tendenciosos; e definem os seus ataques a um juiz de ascendência mexicana como racistas.
Mais especificamente: 64% acham que Trump não tem as qualidades necessárias para ser presidente e 56% acham mesmo que ele é altamente desqualificado para a função; outros tantos 56% sentem que os valores do candidato são contrários aos seus; 66% acham os comentários sobre mulheres e minorias tendenciosos e injustos; 68% classificam as críticas ao juiz de ascendência mexicana como racistas e 85% como impróprios.
Mesmo entre os eleitores republicanos cerca de um terço também o acha desqualificado para o cargo e 18% diz que ele não representa os seus valores; 36% classificam os comentários sobre minorias como injustos e tendenciosos, enquanto 39% apelidam de racistas as críticas ao juiz e 71% de impróprias.
Reflectindo a profunda divisão que a sua candidatura provocou no campo republicano, 62% destes votantes defendem que os dirigentes do partido devem discordar em público do candidato, enquanto apenas 35% evitariam as críticas. Outro sinal dessa divisão é o facto de apenas 69% dos republicanos que apoiaram outros candidatos nas primárias se declararem agora dispostos a apoiar Trump, enquanto 13% dizem que apoiarão Clinton e 11% nenhum.
Hillary a subir
No campo democrático, Hillary parece garantir o apoio do eleitorado tradicional do partido – 88% dizem-se agora dispostos a votar nela, enquanto apenas 8% dos que apoiaram Bernie Sanders nas primárias admitem votar Trump. Em Maio eram 20% os que admitiam tal hipótese.
Mas entretanto Sanders foi batido nas primárias democráticas e, embora ainda não se tenha disponibilizado para entrar na campanha de Clinton, disse que tudo faria para derrotar Trump. O multimilionário apelou aos eleitores de Sanders para se juntarem a ele, já que ambos surgiram como anti-sistema, mas essa hipótese parece desvanecer-se.
A aceitação de Hillary junto dos homens subiu 11 pontos percentuais desde Maio, empatando agora com Trump nos 45%. Os mesmos 11 pontos que Trump desceu entre os homens em geral, acompanhando uma descida de 10 pontos entre os homens brancos, o grupo social onde o multimilionário continua a desfrutar de vantagem sobre Clinton (50-40). Entre os homens não-brancos, Hillary esmaga – 77% contra 15%.
Por grupos etários, Clinton lidera em todos, particularmente entre os jovens entre os 18 e os 39 anos, onde a sua vantagem atinge os 20 pontos (54-34).
A sondagem foi feita após o massacre na discoteca de Orlando, na Florida, onde 49 pessoas foram assassinadas por um terrorista. A reacção dos dois candidatos à tragédia foi substancialmente diferente, como noticiámos, com a de Hillary a recolher a concordância de mais americanos, numa vantagem de 18 pontos. Mesmo assim, 43% dos inquiridos concordam com a proposta de Trump de proibir muçulmanos de entrar no país, contra 52% que discordam.
Uma última diferença substancial entre os dois: enquanto 64% acham que Trump não tem as qualificações necessárias para ser presidente, 61% reconhecem tais qualificações a Hillary Clinton.
A amostra da sondagem revelou uma maior representação do eleitorado democrata de três pontos e uma menor representação de um ponto do eleitorado republicano em relação à de Maio passado. Mas segundo os seus promotores, estas diferenças serão responsáveis por menos de metade dos ganhos de Hillary Clinton.
George Will deixa GOP
Entretanto, as dissidências no campo republicano prosseguem. No fim-de-semana, George F. Will, um dos mais conhecidos e influentes colunistas conservadores do país, revelou que tinha abandonado o Partido Republicano e que se tinha registado como “não filiado”.
Nos EUA, o recenseamento eleitoral não é obrigatório. E quando alguém se regista como eleitor é tradição declarar a sua filiação partidária – democrata, republicano, ou independente. Nos últimos anos, a percentagem de eleitores que se registou como independente subiu exponencialmente.
George Will é colunista do “Washingon Post” e comentador na Fox News, e foi durante décadas colunista da Newsweek e comentador na ABC. A sua coluna é reproduzida por centenas de jornais no país e a sua voz escutada com atenção por milhões de americanos, especialmente no campo conservador. Ganhou um prémio Pulitzer nos anos 1970 justamente pela capacidade de influência e qualidade dos seus comentários.
Desde que Trump surgiu na corrida presidencial, Will não se cansou de o criticar e de alertar o Partido Republicano para o erro politico que estava a cometer. Foi, aliás, um dos animadores do movimento “Never Trump” (Trump Nunca) que se bateu para evitar que o multimilionário fosse o escolhido pelo partido.
Agora com a escolha concretizada, Will pensa que já não há hipótese de lançar um candidato alternativo, mas defende que o partido deve evitar que Trump chegue à Casa Branca. Por isso, não vai votar nele, mas não revela em quem votará. Diz apenas que “este não é o meu partido”.
Alguns dos seus artigos nos últimos meses foram arrasadores para Trump e para aqueles que no GOP (Grand Old Party) o defendiam ou o toleravam. Segundo Will, a escolha de Trump não só corrompe o quadro de valores do partido, como compromete o seu futuro. Para ele, é preferível perder a eleição com dignidade, mas defendendo os valores tradicionais do GOP, do que eventualmente vencê-la com um candidato como Trump.
Ao “Post” disse que um presidente Trump sem a oposição do Congresso (cuja maioria é republicana) seria pior para o país do que uma presidente Clinton com a oposição do Congresso. E apelou aos eleitores republicanos para que garantam que Trump perde a eleição e depois “roam os dentes durante quatro anos e ganhem a Casa Branca”.