15 jul, 2016 - 04:22 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
O anúncio oficial esteve previsto para esta sexta-feira em Nova Iorque, através de uma conferência de Imprensa, mas foi adiado por causa do atentado terrorista em França. No entanto, à hora a que estava prevista a declaração oficial, Trump acabou com o suspense e decidiu confirmar no twitter que Mike Pence era a sua escolha para vice-presidente.
Na quinta-feira à tarde, a imprensa americana já tinha revelado o nome do governador do Indiana.
Mike Pence, 57 anos, é um cristão evangélico devoto, frequentador da igreja, e que se define a si próprio como “cristão, conservador e republicano, por esta ordem”. Socialmente conservador, foi um dos primeiros a manifestar apoio ao Tea Party, a ala radical que emergiu no seio do Partido Republicano há cerca de uma década. É filho de uma família muito modesta e o seu percurso, em certo sentido, encarna o sonho americano.
Actual governador do estado de Indiana, no Midwest, onde está a terminar o primeiro mandato e a correr para a reeleição, Pence passou doze anos na Câmara de Representantes dos EUA, onde chegou a candidatar-se a líder da bancada republicana, mas foi esmagado nas urnas por John Boehner (168-27), que mais tarde seria “speaker” da Câmara.
A sua notoriedade nacional, no entanto, emergiu apenas no ano passado quando, enquanto governador do Indiana, aprovou uma lei apelidada de liberdade religiosa que dava protecção legal a donos de lojas que, invocando as suas crenças religiosas, se recusassem a servir ou a fornecer quaisquer produtos a casamentos de pessoas do mesmo sexo.
A lei provocou uma onda de críticas por todo o país, já que foi considerada uma caução para a discriminação contra gays e suscitou reacções de repúdio entre os opositores democratas e os activistas do movimento LGBT, mas também entre inúmeras empresas americanas e a Liga de Basquetebol, que ameaçaram não investir mais no estado e, no caso da NBA, boicotar os jogos no Indiana.
Perante as reacções, Pence aprovou então uma emenda à lei, reconhecendo que não era correcto usá-la para discriminar contra gays, desapontando os sectores mais conservadores que o viam já como um herói das suas causas, mas que acabou por ceder às pressões liberais.
Já este ano, Pence fez aprovar uma outra lei muito restritiva da prática do aborto, proibindo-o nos casos em que o feto apresenta deficiências. O Indiana tornou-se assim o segundo estado americano a banir este tipo de aborto, mas o assunto vai ainda ser dirimido em tribunal, que decidirá se a lei contraria ou não a legislação nacional sobre a interrupção da gravidez.
Conservador discreto
Mike Pence é um político convencional, que teve um programa de rádio antes de concorrer a um cargo eleito. A função neste caso corresponde a uma actividade marcadamente política nos Estados Unidos, muito comum entre radialistas conservadores que fazem dos seus programas diários máquinas de propaganda das suas ideias, influenciando milhões de pessoas nas regiões onde emitem. O mais célebre deles é Rush Limbaugh, de quem Pence se considerava uma versão “descafeinada”.
Considerado discreto e avesso a “show off”, é visto como alguém que poderá exercer uma influência positiva junto do multimilionário. Essa é pelo menos a esperança de muitos dirigentes republicanos, que olham para Trump com enorme desconfiança. Enquanto portador dos valores conservadores tradicionais, Pence poderá moderar a rebeldia de Trump e eventualmente alterar alguns dos seus pontos de vista aproximando-os do GOP (Grand Old Party).
É duvidoso, porém, que os dois companheiros de lista cheguem a acordo sobre alguns temas em relação aos quais já exprimiram publicamente pontos de vista opostos. Pence é a favor do comércio livre e do acordo comercial com o Pacífico (TTP), que Trump classificou como uma “violação” da economia americana. Votou a favor da guerra do Iraque, que Trump já criticou duramente. E condenou a intenção de Trump de impedir os muçulmanos de entrar nos Estados Unidos.
Uma intenção igualmente criticada por Paul Ryan, o “speaker” da Câmara de Representantes e talvez o republicano com mais poder actualmente, que afirmou que tal ideia nada tinha a ver com o que é a América, nem com o que é o GOP. Solicitado a comentar a escolha do vice-presidente, Ryan definiu-se como “um grande fã” e um “bom amigo” de Pence, que tem em “grande consideração” e em que deposita a esperança de que leve para a candidatura o movimento conservador. Também o líder republicano do Senado, Mitch McConnell, considerou a escolha de Pence “uma boa jogada para Trump” e garantiu que apoiará entusiasticamente o “ticket”.
O governador surge assim como um homem do partido numa candidatura que muito tem dividido o partido. A escolha de Trump terá tido como motivo principal unir o GOP e fazê-lo cerrar fileiras nesta corrida à Casa Branca. Essa deverá ser a primeira tarefa de Pence, que por outro lado é um homem com um temperamento e um estilo “low profile” que dificilmente criarão problemas a Trump. Ao contrário do multimilionário, não é impulsivo e gosta de reflectir bem antes de vir a público emitir opiniões.
O multimilionário não gosta de ter a seu lado pessoas que lhe façam frente ou objectem às suas decisões. Sempre preferiu “yes men” a personalidades fortes a rodeá-lo e valoriza a lealdade mais do que qualquer outra característica.
Voto evangélico e dólares
Outra tarefa que o espera é certamente atrair para a candidatura o voto evangélico, que é poderoso em alguns estados do país. Nas primárias republicanas, Trump disputou este voto com o senador Ted Cruz, tendo vencido nuns casos e perdido noutros. No Indiana, ambos cortejaram o governador para obter o seu apoio. Pence hesitou até faltarem quatro dias para ir às urnas, mas acabou por apoiar Cruz, embora ressalvando que “não era contra ninguém”. Apesar disso, Trump bateu Cruz por 20 pontos percentuais, levando-o a abandonar a corrida.
Além do voto evangélico, Pence poderá atrair o apoio dos célebres irmãos Koch, bilionários que nos últimos anos têm doado imenso dinheiro a algumas campanhas republicanas, mas que este ano ainda não passaram cheques a ninguém aparentemente por discordarem de Trump. Pence e os seus assessores no Indiana têm um bom relacionamento com os irmãos Koch, o que poderá levar para a campanha muitos milhões de dólares.
Conhecedor dos meandros de Washington, já que cumpriu seis mandatos como congressista, Pence terá como quarta tarefa, se for eleito, garantir o apoio da bancada republicana às propostas do presidente e fazer acordos com a oposição quando necessário. A sua experiência de legislador no Congresso, e executiva enquanto governador, terão pesado na escolha de Trump, que necessitava de alguém com conhecimento do ”establishment” que tanto despreza e critica.
Embora este conjunto de tarefas pareça alcançável a alguém com o seu perfil, há entre os republicanos quem veja a sua escolha como um reforço da vertente mais conservadora do partido e uma desvalorização do eleitorado mais moderado.
O passado muito conservador de Pence não parece a melhor receita para conquistar votos ao centro do espectro político. O “ticket” Trump-Pence surge assim como uma mistura de imprevisibilidade política com conservadorismo da América profunda, o que poderá ser o melhor caminho para perder as eleições nos chamados “swing states”, os estados onde o voto oscila de eleição para eleição e onde habitualmente tudo se decide.
Há, contudo, um factor que pode contrabalançar este “handicap”. É o facto de Pence ser do Midwest, uma região onde alguns estados serão decisivos em Novembro. É o caso do Ohio, Michigan e mesmo Wisconsin que Trump necessita de disputar taco-a-taco com Clinton para ter alguma hipótese de chegar à Casa Branca.
Christie e Gingrich batidos
Nesta corrida para vice-presidente, Mike Pence emergiu tarde. Embora o seu nome fosse falado como uma hipótese, o seu relacionamento com Trump sempre foi distante e só nesta semana se estreitou.
O multimilionário começou por se fazer acompanhar, ainda durante as primárias, pelo governador de Nova Jérsia, Chris Christie, que desistiu da corrida e lhe declarou o seu apoio para surpresa geral. Depois, Trump “flirtou” com Newt Gingrich, antigo “speaker” da Câmara de Representantes nos anos 1990 e o maior adversário do presidente Clinton, que concorreu às primárias de 2012 e foi derrotado por Mitt Romney.
Gingrich foi visto nas últimas semanas como o eleito de Trump para vice, dada a proximidade entre os dois e os elogios públicos que o candidato lhe fez. É um dos mais profundos conhecedores de Washington e do funcionamento da política americana, além muito sólido ideologicamente, a que alia um pragmatismo capaz de forjar acordos.
Só na terça-feira é que Trump foi ao Indiana fazer um comício com Pence, visto por alguns observadores como um teste ao governador. Pence não terá desiludido, já que fez um ataque cerrado a Hillary Clinton. Segundo a imprensa americana, Pence era o favorito dos filhos de Trump e na quarta-feira de manhã toda a família foi tomar o pequeno-almoço a casa do governador, num gesto inesperado.
Trump e os seus homens falaram nas últimas horas com Christie e Gingrich, mas Pence recolheu a preferência do multimilionário.
É a segunda vez que um candidato a vice-presidente vem do Indiana. Em 1988, George Bush (pai) escolheu Dan Quayle, senador daquele estado, para seu vice, um “ticket” republicano que bateu o democrata Mike Dukakis, então governador do Massachusetts por larga margem.
[Notícia actualizada às 17h13]