16 jul, 2016 - 23:13 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Donald Trump confessou este sábado que escolheu Mike Pence para seu vice-presidente para garantir a unidade do Partido Republicano, mais do que por qualquer outra razão.
Foi na sessão de apresentação do governador do Indiana como candidato a vice-presidente na equipa de Trump, que decorreu num hotel de Nova Iorque, no sábado de manhã, depois de ter sido adiada por 24 horas devido ao atentado terrorista em Nice.
O multimilionário referiu a unidade do partido como o primeiro motivo pelo qual tinha escolhido Mike Pence, já que ele próprio se considera um “outsider” no partido e quer continuar a sê-lo porque atribui a essa característica o facto de ter batido os outros candidatos.
“Tenho de ser sincero, uma das razões mais importantes por que escolhi Mike foi a unidade do partido. Muita gente falou da unidade do partido. Eu sou um 'outsider' e quero ser um 'outsider', porque acho que foi uma das razões por que ganhei por larga margem”, disse.
Esta tinha sido, de facto, a análise mais comum entre os observadores sobre a escolha do governador do Indiana. Pence é um homem do partido, respeitado no seio do partido e que se considera um arauto dos valores conservadores do GOP. Valores esses que, em muitos casos, estão ausentes ou em contradição com aquilo que Trump tem vindo a dizer durante a sua campanha eleitoral.
Isso mesmo ficou patente na sessão deste sábado quando o multimilionário voltou a criticar fortemente o acordo de comércio livre da América do Norte (NAFTA), assinado nos anos 1990 com o Canadá e o México, que considera como “o pior acordo comercial de sempre para a economia americana”.
Como defensor do comércio livre, Pence é um apologista do NAFTA – bem como dos outros acordos multilaterais de comércio – que, aliás, foi negociado e acordado por um presidente republicano, George Bush (pai). Um facto que Trump omite para dizer que foi Bill Clinton que o assinou, o que, sendo verdade, não isenta o Partido Republicano de responsabilidades na matéria. Ambos os presidentes concordam com o tratado, que trouxe substanciais ganhos à economia americana, nomeadamente em estados como o Indiana.
Hesitação até ao fim
Mas a confissão de Trump sobre a escolha de Pence vem dar ainda mais credibilidade à revelação de que hesitou até ao último minuto nesta decisão. Segundo revelou a CNN, Trump tentou ainda na quinta-feira à noite recuar na opção por Pence, quando o governador do Indiana já estava em Nova Iorque para a apresentação pública no dia seguinte.
Desdobrou-se em telefonemas, inquiriu o seu "staff" e alguns amigos sobre as consequências de um recuo, dando provas inequívocas de que Pence não era uma opção genuína. Quer os filhos, quer os conselheiros mais próximos, bateram-se duramente por Pence desde o início da semana, convencendo o candidato a aceitar esta como a decisão mais sensata, mais consensual, que lhe traria a aceitação no seio do GOP e os apoios de que necessita para disputar a presidência. Apoios financeiros, políticos, sociais, regionais, de que se fazem as coligações eleitorais na América.
Mas pessoalmente Trump pendia para Chris Christie, governador de Nova Jérsia, e um dos primeiros a declarar-lhe apoio nesta campanha, mal desistiu das primárias. Na quinta-feira à noite, Christie foi um dos que receberam telefonemas de Trump, que o terá tentado convencer a ser o "attorney-general" (equivalente a ministro da Justiça e procurador-geral no sistema americano) numa futura administração Trump. Christie é formado em direito.
Um convite antecipado que visava reparar o facto de não o ter escolhido para vice-presidente. Desconhece-se a resposta de Christie, mas a campanha de Trump apressou-se a desmentir as hesitações do candidato com veemência. No entanto, a CNN não só manteve a sua versão dos acontecimentos, como ela foi corroborada mais tarde pelos grandes jornais.
Trump e Pence conhecem-se há muito pouco tempo, não têm afinidades, os seus “backgrounds” são completamente diferentes e já exprimiram publicamente pontos de vista bem diversos quanto a temas políticos sensíveis. Por exemplo, quando Trump defendeu a proibição de entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, Pence considerou a ideia inaceitável e “inconstitucional”.
O temperamento de Pence, contudo, deixa antever que o governador não vai fazer ponto de honra destas questões durante a campanha eleitoral e acabará por se acomodar à rebeldia de Trump. Algo que o “Washington Post” já classificou em editorial como “hipocrisia”.
Na sessão de apresentação, outra coisa ficou clara: enquanto Trump fez uma das suas típicas intervenções desconexas, sem fio condutor e saltitando permanentemente entre os clichés do seu discurso político quase esquecendo o motivo da sessão, Pence fez uma intervenção com substância política, alinhando argumentos ideológicos para justificar a sua a aceitação do desafio. Também aqui o contraste entre os dois homens pareceu evidente.
Trump acabou por optar por um vice-presidente de conveniência, em função dos argumentos que lhe foram apresentados pelos seus fiéis, e não por alguém com quem a química funcione, como sempre disse que queria. O perfil de Pence, contudo, um homem discreto pouco dado a conflitos, não antecipa tempestades na campanha. O gigantesco ego de Trump deverá impor-se em todos os momentos decisivos. E, afinal, ele é que é o candidato a presidente.