23 jul, 2016 - 03:15 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Mike Murphy foi estratega da campanha de Jeb Bush nas primárias republicanas deste ano. Pouco depois de Donald Trump ter discursado em Cleveland, na quinta-feira à noite, pôs no twitter uma fotografia do ditador argentino Juan Peron com a legenda “a sorrir na tumba”.
Stuart Stevens foi estratega de Mitt Romney, o candidato republicano à Casa Branca há quatro anos. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Donald Trump é um homem sombrio, perturbado, que vê no país aquilo que vê no espelho”.
Michael Gerson foi autor de discursos para o presidente George W. Bush. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Ele está a convocar as forças primárias da raiva/medo, exibindo uma liderança sem limites morais, princípios religiosos ou responsabilidade cívica”.
Mary Kate Cary foi autora de discursos para o presidente George W. Bush. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Isto é um discurso sombrio e assustador”.
Dana Perino foi assessora de imprensa do presidente George W. Bush. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Também quero derrotar o ISIS depressa. Mas diga-me como e o que está disposto a fazer”.
Rory Cooper foi director de comunicação do congressista republicano Eric Cantor. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Raiva. Medo. Ansiedade. Em vez de liderar, está a alimentar. É deprimente”.
John Weaver é estratega do governador do Ohio, John Kasic. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Trump a pregar ao coro… nenhum esforço para chegar aos republicanos descontentes, aos democratas, aos independentes. Nenhum esforço para construir coligações. Alguém os enfiou no recenseamento de 1960”.
Jon Gabriel é editor de um blogue conservador. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “O discurso de Trump será lembrado como a América enlutada”.
William Kristol é editor do Weekly Standard, uma “bíblia” do conservadorismo. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “A frase de Trump ‘eu sou o único que pode reparar isto’ marca a descida do Partido Republicano do constitucionalismo republicano para o cesarismo demagógico”.
Conor Friedersdorf escreve na revista “The Atlantic”. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Eu vou reparar isto sozinho. Palavras de um candidato que deveriam fazer com que todos os conservadores o rejeitassem”.
Katherine Miller é editora do site BuzzFeed. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “A outra coisa completamente ausente aqui – obviamente – é a ideia de que não queremos o governo metido nas nossas vidas. Isto é o governo a tratar de tudo”.
Edward Luce é jornalista e colunista do Financial Times. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Este discurso é mais negro do que uma mina de carvão. Republicanismo de Reagan descansa em paz”.
Jim DeFede é repórter da CBS. Pouco depois de Donald Trump discursar em Cleveland, escreveu no twitter: “Se Reagan fez o discurso da ‘Cidade Cintilante na Colina’, chamemos a este discurso de Trump ‘América, a cidade a desfazer-se no fosso”.
Paternalismo vs. conservadorismo
À excepção dos quatro últimos, todos os autores citados pertencem ao campo conservador americano e a sua apreciação do discurso de Trump não deixa margem para dúvidas. A convergência destas apreciações com as de jornalistas independentes, numa selecção feita pelo “Washington Post”, reforça a convicção generalizada de que o candidato se coloca cada vez mais na posição do homem providencial de que a América necessita para vencer uma suposta crise que Trump ficciona para justificar o seu cesarismo.
Já aqui assinalámos que essa foi a imagem encenada pela convenção de Cleveland, quando o candidato entrou em palco ao som de “We are the champions” envolto numa cortina de luz que lhe dava uma aura messiânica. O discurso de encerramento da convenção foi coerente com tal imagem.
Um discurso populista explorando os medos primários das pessoas, criando cenários de ficção sobre a insegurança nas ruas, o crime, o terrorismo, os imigrantes, prometendo proteger o país de todos os “inimigos”, incluindo daqueles com quem faz comércio, arvorando-se em defensor dos pobres e desprotegidos e em restaurador da lei e da ordem.
Um discurso que contraria os princípios basilares do conservadorismo americano, fundado na confiança na iniciativa individual, na capacidade de cada um lutar pela vida, prosperar, e fazê-lo sem o paternalismo do Estado, que se quer sempre o mais afastado possível da vida privada.
Ao dizer que vai reparar os males do país “sozinho”, que será presidente para proteger as pessoas, lutar por elas, ser a sua voz, ao transmitir a ideia de que se está a sacrificar pelo país porque o país não é capaz de resolver os problemas que ele apregoa que tem, Trump projecta um paternalismo que nos EUA, talvez mais do que em qualquer outro sítio, contende com o orgulho e a autoconfiança que são apanágio da generalidade dos americanos.
Medo e ódio
Talvez não daqueles americanos que estiveram na Quicken Loans Arena de Cleveland, porque esses pareceram mais mobilizados por dois sentimentos que sempre foram maus conselheiros: o medo e o ódio. Medo instigado pelo seu candidato, medo do outro, do diferente – do mexicano que atravessa a fronteira, do refugiado que pode ser terrorista, do imigrante que rouba o emprego, do chinês que atraiu a fábrica para a terra dele, do asiático que se aproveita dos acordos de comércio que só o favorecem a ele, do europeu que não paga pela protecção militar que recebe.
É um medo que está na base da raiva, que o alimenta e se confunde com ódio a todos aqueles que pensam também de modo diferente. E por isso é que a convenção de Cleveland frequentemente se aproximou mais da imagem de uma arena de gladiadores ávidos de sangue do que de um fórum ou uma festa democrática.
“Prendam-na! Prendam-na!”, gritaram os delegados quando do palco Chris Christie, o governador de Nova Jérsia, fazia um julgamento popular a Hillary Clinton. À medida que as acusações surgiam, a multidão reforçava o veredicto, qual circo romano. Nada que o próprio Trump não tenha dito há cerca de um mês num comício: “Ela tem de ir para a cadeia, ok? Tem de ir para a cadeia”.
Um “diktat” exprimido também pelo conselheiro de segurança nacional do candidato, Michael Flynn, um general na reserva, que aliás o verbalizou em Cleveland, logo na primeira noite. “Prendam-na! Se eu tivesse feito um décimo do que ela fez, estaria na cadeia”.
Depois dele foram vários os oradores a proclamar tal desejo. Desde governadores, como o do Wisconsin, a procuradores estaduais, como a da Florida, presumivelmente formada em Direito, passando por candidatos ao Senado, por veteranos e por familiares de americanos mortos em serviço.
Mas há quem ache que a prisão já não é suficiente. Só mesmo a execução. É o caso de um congressista do New Hampshire e delegado de Trump, Al Baldasaro, que disse a uma estação de rádio que “Hillary Clinton devia ser posta na linha de fogo e morta por traição”.
Também não está sozinho neste desígnio. Um congressista da West Virgínia, Mike Folk, escreveu no twitter que Hillary “devia ser julgada por traição e assassínio” e depois enforcada “no Mall em Washington”. Para Duane Flowers, uma delegada do Ohio, qualquer árvore serviria, não precisava de ser no parque mais conhecido da capital.
Mas para que não se pense que só as bases desejam a morte de Hillary. Um dos conselheiros mais próximos de Trump, Roger Stone, escreveu em tempos no twitter que ela “deve ser levada à justiça – presa, julgada e executada por assassínio”.
É este o entendimento que na campanha de Trump se tem sobre o debate democrático. Um debate que o próprio candidato há muito reduziu à divisão maniqueísta entre bons e maus e recheou com insultos, insinuações e calúnias disparados ao ritmo do seu ego abrasivo.
É por isso que as reacções críticas ao discurso de encerramento são um barómetro para aferir o quanto a convenção falhou num dos seus principais desígnios: unir os republicanos em particular, e os conservadores em geral, em torno da candidatura de Trump.
As bases motivadas pelo medo e pelo ódio podem ter saído de Cleveland a transbordar de entusiasmo, mas aqueles que prezam o debate democrático e se identificam com os princípios conservadores dão sinais de um afastamento crescente em relação a Donald Trump e à sua candidatura.