19 out, 2016 - 07:59 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
As eleições presidenciais americanas estão decididas? A menos de 24 horas do último debate entre os dois candidatos, esta quarta-feira à noite (madrugada em Portugal), acumulam-se os indícios de que só um qualquer cataclismo imprevisível poderia retirar a vitória a Hillary Clinton. Indícios que não vêm apenas de sondagens, nem de qualquer triunfalismo do campo democrata.
Vêm sobretudo dos inúmeros sinais do campo republicano, onde já são muito poucos os responsáveis do partido que acreditam que Donald Trump ainda pode vencer no dia 8 de Novembro.
Comecemos pelas sondagens. À excepção de uma feita para o Los Angeles Times que continua a dar Trump à frente por um ponto percentual e que ninguém consegue explicar cabalmente, todas as restantes feitas a nível nacional dão uma vantagem confortável a Hillary Clinton que oscila entre os 4 e os 11 pontos percentuais.
Mas, como já tivemos oportunidade de explicar nestas páginas, as sondagens mais importantes são as que traduzem a votação estado-a-estado e em particular nos chamados “swing states”, ou seja, aqueles onde o voto pode oscilar entre os dois candidatos e decidir a eleição. Isto porque a eleição presidencial americana é indirecta, está construída com base na eleição de um Colégio Eleitoral que emana dos votos nos estados.
E neste aspecto as últimas sondagens divulgadas traçam um cenário inequívoco: Trump perde em quase todos eles e pode perder mesmo em alguns estados considerados fortalezas inexpugnáveis dos republicanos.
A vantagem de Hillary
Esta terça-feira, o Washington Post divulgou um estudo feito em quinze estados, que além de incluir os considerados oscilantes, abrange mais alguns onde Hillary pode surpreender. Nos “swing states” mais tradicionais o panorama é este: no New Hampshire e na Virgínia, Hillary tem 11 pontos de vantagem; no Michigan e Novo México, oito; no Colorado, sete; na Carolina do Norte e na Pensilvânia, seis; no Wisconsin, cinco. Os “swing states” onde Trump surge à frente são o Ohio com três pontos de vantagem, a Florida, dois, o Iowa, quatro e o Nevada, cinco.
Em oito dos treze estados, Hillary tem vantagem confortável, enquanto Trump dispõe de vantagem escassa em dois deles, e confortável noutros dois. O que significa que o Ohio e a Florida ainda estão em disputa, enquanto os mais pequenos Iowa e Nevada parecem garantidos. Outras sondagens dão vantagem, embora escassa, a Hillary na Florida, o mais importante destes todos.
Mas um dos dados mais curiosos desta sondagem é que ela inclui três estados onde os democratas (quase) nunca venceram, mas que este ano parecem em disputa.
A Geórgia, um estado sulista, terra natal de Martin Luther King, onde Clinton surge quatro pontos à frente de Trump. Parece uma vantagem consistente, mas ninguém arrisca prognósticos. A comunidade negra é aqui muito forte, sobretudo na área urbana de Atlanta, e a mobilização para o voto estará a ser eficaz. Esta terça-feira, por exemplo, abriram as urnas para o voto antecipado e viam-se inúmeras filas logo pela manhã.
O Texas, onde Trump dispõe de uma vantagem de apenas dois pontos, seria a vitória mais saborosa e mais “lucrativa” para Clinton. É o segundo estado da União, depois da Califórnia, e elege 38 delegados ao Colégio Eleitoral. Três factores podem contribuir para estes dados: a crescente comunidade latina; o apoio do influente jornal Dallas Morning News, que pela primeira vez na sua história apoiou um democrata na corrida à Casa Branca; o apoio da família Bush, residente no estado.
O Arizona é outro estado do sul do país onde Trump tem uma vantagem escassa – somente 3 pontos. Aqui, onde os republicanos só perderam em 1996, o senador John McCain luta pela reeleição para o Senado na sua terra natal, e há cerca de duas semanas retirou o apoio a Trump por causa do vídeo em que o candidato se gabava de assaltar sexualmente mulheres sem o seu consentimento. Os latinos poderão ser outra explicação, assim como os mórmons, uma comunidade também forte no Arizona.
Surpresa mórmon?
Aliás, os mórmons poderão protagonizar aquilo que seria a maior surpresa das eleições. No Utah, estado que dominam e que é aquele onde os republicanos sempre venceram por maior margem, Hillary surge bem colocada nas sondagens e há analistas que não excluem a hipótese de uma surpresa no dia 8. Três razões estarão na base destes números.
Desde que o vídeo de Trump foi divulgado, inúmeros mórmons têm acorrido às sedes de campanha de Clinton voluntariando-se para trabalhar na candidatura. Enquanto grupo religioso bastante conservador, os mórmons ficaram escandalizados com o que ouviram no vídeo. Esta indignação veio juntar-se ao descontentamento já existente em relação a Trump por causa das suas posições anti-muçulmanos, que configuram uma tendência de perseguição religiosa a que os mórmons são naturalmente muito sensíveis. Acresce que no Utah concorre um candidato que não conseguiu concorrer em todos os estados e que está a baralhar os dados. As sondagens atribuem-lhe 25% dos votos, na sua maioria “roubados” a Trump.
Mas o Utah não fazia parte da sondagem do Post. Voltemos por isso a ela para colocar a pergunta inevitável: o que resulta afinal deste estudo?
Para vencer a eleição é necessário garantir pelo menos 270 delegados ao Colégio Eleitoral e no cenário da sondagem Hillary Clinton somaria 304, enquanto Trump não passaria dos 138. Uma vitória folgadíssima da candidata democrata, que resulta da soma dos delegados dos estados seguramente democráticos e dos oito “swing states” enumerados em cima onde tem hoje uma vantagem confortável.
Quanto a Trump, os seus números resultam da soma dos estados seguramente republicanos, mas mesmo que lhes juntemos todos os “swing states” onde surge com vantagem (Florida, Ohio, Iowa e Nevada) e ainda os três onde Hillary aparece com hipóteses (Texas, Geórgia e Arizona) não atinge os 270 delegados.
Ou seja, a aritmética eleitoral não favorece Trump, num momento em que os estudos de comportamento eleitoral dizem que há apenas 14% de indecisos. Enquanto Clinton tem várias combinações eleitorais possíveis para atingir a maioria dos delegados, Trump está virtualmente sem saída.
Antes de mais porque os indecisos nunca caem todos para o mesmo lado. Depois porque é uma percentagem pouco relevante quando projectada estado-a-estado para alterar significativamente o resultado final.
Derrota interiorizada
Esse é hoje o entendimento de quase todos os dirigentes republicanos, que já dão a derrota de Trump como certa no dia 8. A começar pelo seu dirigente máximo, Paul Ryan, líder da Câmara de Representantes, que anunciou na semana passada que não faria mais campanha pelo candidato nem o defenderia publicamente. E que sobretudo aconselhou todos os membros do partido a concentrarem-se nas eleições para o Congresso para evitar que os republicanos percam a maioria de que dispõem em ambas as câmaras.
Dada a presidência por perdida, esta é a maior preocupação actual dos republicanos eleitos. Com a Câmara de Representantes e cerca de um terço do Senado a votos no dia 8, os candidatos republicanos sentem em muitos círculos eleitorais os efeitos negativos da campanha de Trump e receiam o contágio.
A maioria na Câmara de Representantes não parece estar em risco, mas no Senado os democratas poderão recuperar a maioria, bastando-lhes para isso conquistar quatro lugares aos rivais, um cenário a que as sondagens dão consistência. Por isso, Paul Ryan lançou o alerta e deu indicações para que o financiamento disponível seja canalizado sobretudo para as campanhas para o Congresso em detrimento da campanha presidencial. Isto num momento em que os principais financiadores do Partido Republicano desertaram da campanha de Trump, o que é outro indício sintomático da falta de convicção em relação ao candidato.
Mas o próprio Trump e a sua entourage parecem também já ter interiorizado a derrota. Durante as primárias, o magnata passava a vida a falar nas sondagens e a citá-las. Porque as liderava, naturalmente. Agora nunca fala em sondagens, ou quando fala é para as desvalorizar ou inventar teorias sobre a sua alegada inexactidão. A última teoria é que elas não dizem a verdade porque há um número significativo de apoiantes que não querem admitir que votam nele.
A grande conspiração
O candidato tem vindo a repetir esta tese nos comícios, onde descortina uma onda de entusiasmo a seu favor que se vai reflectir nas urnas no dia 8, mas não se exprime nas sondagens. Mas ao mesmo tempo que diz isto, proclama que as eleições estão a ser “viciadas” por um sistema eleitoral “corrupto” alegadamente controlado pelos democratas. Fala de “fraude” eleitoral em preparação e alerta os seus apoiantes para que a eleição pode ser-lhe “roubada”.
Tudo isto como fazendo parte de uma grande conspiração internacional que inclui os media, naturalmente, e governos estrangeiros que financiariam Clinton. A insistência nesta teoria conspirativa está a causar preocupação generalizada porque visa retirar legitimidade à previsível vitória de Hillary Clinton e criar um clima de intimidação de algumas minorias.
O próprio presidente Obama pronunciou-se esta terça-feira sobre o assunto dizendo que, como sempre na democracia americana, o derrotado no dia 8 concederá a vitória ao seu rival e este tomará posse tranquilamente em Janeiro. E aconselhou Trump a deixar de se “lamuriar” e tratar antes de apresentar propostas para convencer os americanos a votar nele.
A intervenção de Obama visa acalmar o clima que Trump gerou em torno da sua teoria da conspiração, que é inédita nos Estados Unidos. E está a provocar reacções agressivas entre os seus apoiantes, que nos comícios têm apupado e feito ameaças aos jornalistas que cobrem a campanha, em particular os da CNN, a quem Trump sempre chama Clinton News Network.
Num comício na segunda-feira no Wisconsin, a multidão começou a gritar “CNN mete nojo!” e pouco depois quando um orador se referiu a Paul Ryan, que é congressista eleito pelo estado, repetiu o slogan: “Paul Ryan mete nojo!”. Um “sheriff” de Milwaukee foi mais longe e fez mesmo um apelo à violência, ao dizer que espera que os apoiantes de Trump estejam “quase enraivecidos” no dia das eleições e que “chegou o tempo das forquilhas e archotes na América”.
É justamente este clima de fúria que a teoria da conspiração de Trump quer criar para incutir nos seus apoiantes a ideia de que Clinton será uma presidente ilegítima, eleita fraudulentamente. E visa ainda intimidar algumas minorias para que não se desloquem às urnas. Os democratas estão já a tomar medidas para exercer uma vigilância eficaz das assembleias de voto, mobilizando advogados para garantir que todos que o queiram exercerão o seu direito de voto em condições de serenidade.
A máquina eleitoral americana é de responsabilidade estadual e a forma como se vota varia de estado para estado, mas até hoje registaram-se apenas 31 casos de fraude em todas as eleições efectuadas ao longo dos anos. Trinta e um em muitos milhões de votantes.
A teoria da conspiração, obviamente, não colhe junto de pessoas responsáveis, sejam elas de que partido forem. É assim que foram mais os republicanos a vir a público denunciar o absurdo das alegações de Trump do que os democratas. A começar pelo candidato a vice-presidente, Mike Pence, que se sentiu na obrigação de garantir que “obviamente” ele e Trump aceitarão os resultados eleitorais.
“Sempre que os seus comentários ponham em causa a legitimidade do processo eleitoral, está a pisar o risco, sobretudo se não apresentar provas”, disse o secretário de estado do Ohio, Jon Husted, um republicano que apoia Trump. O seu homólogo e correligionário da Florida, Ken Detzner, garantiu que encorajar as pessoas a votar e uma afluência de 100 por cento eram as suas prioridades. Outro republicano, Tom Cole, ex-secretário de estado do Oklahoma, acusou Trump de “retirar legitimidade ao processo pelo qual os presidentes são eleitos quando levanta tais dúvidas”.
Preocupações que certamente não incomodam Trump. O que o incomoda verdadeiramente é a consciência de que tem a eleição quase perdida. Afinal, se estivesse convencido do contrário, por que iria pôr em causa a legitimidade do sistema eleitoral?