20 out, 2016 - 08:35 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
As coisas até nem começaram nada mal. Mais contido que o habitual, mais concentrado nos temas sérios da campanha, menos agressivo, sem fazer caretas, Donald Trump parecia mais presidenciável neste debate do que nos anteriores.
Expôs os seus pontos de vista com serenidade, debateu com argumentos válidos nos primeiros temas introduzidos pelo moderador, como o Supremo Tribunal e o apoio à Segunda Emenda que garante o direito ao porte de arma, o aborto, a imigração. E marcou mesmo pontos em alguns deles, como na imigração, quando pôs Hillary na defensiva em relação à política de fronteiras abertas. Clinton terá afirmado isso mesmo numa entrevista que o moderador, Chris Wallace da Fox News, citou. Algo em que se percebeu algum embaraço na candidata democrata. Tal como quando afirmou que Obama tem deportado milhares de imigrantes indocumentados, um facto indesmentível, que no entanto Hillary não aproveitou a seu favor.
Mas quando veio a questão da ciberespionagem russa e da pirataria aos computadores da campanha democrática, Trump começou a irritar-se e acabou a perder a compostura quando, desmentindo as 17 agências de “intelligence” americanas, insistiu que ninguém sabia verdadeiramente quem tinha pirateado os computadores. Depois retomou o seu enlevo com Putin, dizendo que o líder russo não respeita Obama nem Hillary e que preferia ter um fantoche como presidente dos Estados Unidos.
“Tu serias o fantoche”, disparou Hillary, provocando claramente o adversário. A partir daqui, Trump não resistiu ao seu temperamento abrasivo e, embora em menor escala, foi lançando chispas ao seu estilo.
Mesmo assim, conseguiu encostar Hillary às cordas mais algumas vezes, nomeadamente quando insistiu na mudança de opinião da adversária quanto ao TPP, o acordo comercial com o Pacífico, que Hillary começou por apoiar mas agora critica, ou quando lhe disse que a experiência dela era uma “má experiência”. “Em 30 anos na vida pública falou muito, mas não fez nada”.
30 anos em confronto
Uma linha de ataque que já tinha sido ensaiada nos debates anteriores, mas para a qual Hillary desta vez trazia uma resposta estudada. E que era comparar o que ela fez nesses 30 anos no serviço público e o que Trump fez na vida privada durante o mesmo período. Para isso citou as suas lutas pelos direitos das crianças, das mulheres, dos mais pobres e vulneráveis, por um sistema de saúde mais abrangente, pelo acesso à educação. Tudo isso enquanto Trump se tornava um homem de negócios à custa de um milhão de dólares que o pai lhe deu, era processado por discriminação racial, empregava imigrantes indocumentados e não lhes pagava o salário, organizava concursos de celebridades ou conduzia o reality show “The Apprentice”.
Tudo comparações pouco lisonjeiras para o multimilionário, que contra-atacou com o registo “desastroso” de Hillary em política externa, enumerando a Síria, a Líbia, o Iraque e o ISIS como exemplos da acção pública de Hillary enquanto secretária de Estado. “Ela e Obama deram-nos o ISIS (Estado Islâmico)”, atirou.
Nesta espiral de ataques, chegou a dizer que tinham desaparecido 6 biliões de dólares do Departamento de Estado, que ninguém sabia onde paravam. Hillary pareceu surpreendida com a atoarda, mas nem respondeu. Trump referia-se a contratos que estavam previstos mas que não foram adjudicados e cujo orçamento se mantém sob controlo no Departamento de Estado.
Ainda no domínio da política externa, fez outra afirmação surpreendente a que Hillary também não respondeu. Acusou a administração Obama de ter lançado agora a ofensiva militar para conquistar a cidade iraquiana de Mossul porque quer parecer duro para favorecer a candidata democrata. Isto depois de acusar Clinton de todos os problemas surgidos no Médio Oriente e criticar a operação Mossul porque “não foi feita em segredo” e isso permite que os líderes terroristas abandonem a cidade antes da entrada das tropas governamentais.
Pouco depois fez mais uma afirmação gratuita. Acusou a campanha de Hillary de pagar 15 mil dólares a pessoas para causarem violência nos comícios republicanos. Hillary também ignorou a acusação.
Nunca pede desculpa
O que não ignorou foi a questão relativa à forma como Trump trata as mulheres. Nada menos de nove vieram a público contar a história de como foram coagidas pelo magnata a contactos físicos de carácter sexual. E lembrou que Trump se defendeu dessas acusações com frases como “elas não eram atraentes” ou “não seriam a minha primeira escolha”, para mostrar o quanto o candidato rebaixa o sexo feminino e perguntar se um homem com tal comportamento pode ser presidente.
“Ele nunca pede desculpa” pelos seus actos, recordou, citando os casos de casal Khan cujo filho morreu no Iraque, do juiz “mexicano” que afinal era americano, do senador McCain que se “deixou prender” no Vietname, do repórter deficiente que imitou. Tudo exemplos de “um padrão de comportamento” que não corresponde ao que a América é e que “provam que Trump não serve para presidente”.
O republicano despachou as acusações das mulheres ao seu comportamento como sendo “ficção” orquestrada pela campanha rival e conduziu o debate para a questão da Fundação Clinton, a que chamou um empreendimento “criminoso”. Este era um ponto delicado para Hillary porque nos últimos dias emails revelados pelo Wikileaks mostram como vários doadores da fundação tiveram acesso privilegiado ao Departamento de Estado enquanto Hillary foi a titular do cargo.
A candidata começou a descrever as inúmeras actividades da fundação, como garantir tratamento contra o HIV a cerca de 11 milhões de pessoas em todo o mundo, o apoio a crianças, a construção de escolas, etc. sem nunca abordar os pontos delicados do problema. Mas surpreendentemente nem o moderador nem Trump insistiram no tema e Hillary passou incólume. Até talvez com alguma vantagem, visto que comparou as actividades da Fundação Clinton às da Fundação Trump, cujos fundos serviram para “comprar retratos” do seu fundador, disse.
Mas o grande momento do debate estava ainda para chegar. Foi quando o moderador quis saber se Trump respeitará ou não os resultados eleitorais no dia 8, tentando esclarecer em definitivo o imbróglio dos últimos dias. Depois do candidato a vice-presidente, Mike Pence, e da própria filha de Trump terem garantido que a campanha obviamente aceitará os resultados ditados pelas urnas, o magnata surpreendeu ao reafirmar que “a seu tempo verei”.
Falou dos media corruptos, de milhões de eleitores registados que já morreram e de uma “fraude eleitoral” que estaria em preparação. Perante a incredulidade do moderador, que insistiu na pergunta, Trump foi peremptório: “Na altura verei isso. Por agora vou manter o suspense”.
Hillary não perdeu tempo a lembrar que Trump lança acusações de viciação de sistemas sempre que as coisas lhe correm mal. Foi assim com o FBI quando decidiu não processar criminalmente Clinton no caso dos emails, foi assim sempre que foi batido nas primárias republicanas, foi assim quando não recebeu nenhum Emmy pelo seu show televisivo. Nestas atitudes recorrentes vê a candidata mais uma prova de que Trump não está preparado para ser presidente.
Como aqui explicámos em artigo anterior, esta posição do multimilionário está a suscitar críticas fortíssimas em todos os sectores políticos, incluindo entre os republicanos. Trump é o primeiro candidato presidencial a pôr em dúvida a seriedade do processo eleitoral do país, o que inúmeros comentadores consideram de uma gravidade extrema.
Estavam feitos os títulos do debate por toda a parte. A afirmação temerária de Trump ofuscava os bons momentos que teve neste terceiro e último confronto político. Todo o esforço de contenção para projectar uma imagem mais presidencial e respeitável era deitado por terra. Mais uma vez, Trump dava um tiro no pé e agora com arma pesada. Como respeitar um candidato que não respeita uma das regras básicas da democracia?
Para isso mesmo o alertou o moderador, mas Trump não se comoveu. Ele quer manter o suspense até à noite de 8 de Novembro. O desfecho da corrida presidencial, esse, é que tem cada vez menos suspense. Depois deste último debate em que bastava a Hillary não cometer erros para não perder pontos, a candidata esteve sempre em bom nível e acabou por vencer. O que não surpreende, afinal este foi o seu 42º debate.
A sondagem da CNN deu-lhe uma vitória por 52% contra 39% do adversário. E entre os que assistiram só 13% admitem poder mudar o seu voto. O que também são boas notícias para Clinton, que dispõe de uma vantagem considerável nas sondagens e quanto menos oscilações houver daqui até à ida às urnas melhor para ela. Veremos nos próximos dias como este último debate se reflecte nos estudos de opinião.