02 dez, 2016 - 07:24 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Um maço de cigarros e umas cervejas são mais eficazes do que a tortura para obter confissões de suspeitos de terrorismo? Poderão sê-lo ou não, mas exprimir esta opinião com firmeza pode ser a forma mais eficaz de chegar a secretário da Defesa na futura administração Trump.
Foi o que aconteceu com o general James Mattis, que acaba de ser escolhido pelo presidente eleito para chefiar o Pentágono. Conhecido pelas alcunhas de “cão raivoso” ou “monge guerreiro”, Mattis, 66 anos, é um general reformado dos marines que comandou operações de grande risco no Afeganistão e no Iraque no início das intervenções militares naqueles países após o 11 de Setembro. No caso do Afeganistão, a sua força foi a primeira a entrar em Kandahar, a fortaleza talibã no sul do país, e no Iraque liderou a sangrenta batalha urbana em Falluja, um bastião sunita.
Habituado à dureza da guerra, James Mattis ganhou também reputação por ser um homem desabrido a falar, que não usa rodeios e diz abertamente aquilo que pensa. Terá sido essa característica que terá impressionado Donald Trump na conversa que ambos tiveram há cerca de duas semanas.
Interrogado sobre a eficácia do uso de “waterboarding” (simulação de afogamento) aos suspeitos de terrorismo para obter informações, o general disse ao presidente eleito: “Dê-me um maço de cigarros e algumas cervejas e eu consigo melhor”. Uma resposta que “muito impressionou” Trump, que o confessou alguns dias depois ao “New York Times”. O magnata concluiu de imediato que “a tortura não vai fazer o tipo de diferença que muita gente julga”. Nessa altura já Trump considerava “muito seriamente” a hipótese de escolher James Mattis para secretário da Defesa.
Recorde-se que Trump proclamou inúmeras vezes durante a campanha eleitoral que ordenaria o uso de tortura aos suspeitos de terrorismo. Uma “promessa” que agora terá abandonado ao escolher Mattis.
Uma escolha que implica uma alteração legislativa porque o general marine só despiu a farda há quatro anos e a lei diz que nenhum militar pode servir na administração em postos de alta responsabilidade sem se ter retirado de funções castrenses pelo menos há sete anos. A única excepção a esta regra foi o general George Marshall que, em 1950, foi escolhido pelo presidente Truman para secretário da Defesa e veio a supervisionar o célebre Plano Marshall de reconstrução da Europa no pós-guerra.
James Mattis serviu nos marines durante mais de quarenta anos e além de ser considerado um combatente destemido tornou-se também um estratega militar reputado. É co-autor com o general David Petraeus do manual de contra-insurreição elaborado no contexto da luta que as tropas americanas tiveram de enfrentar no Iraque.
Entre 2007 e 2010 foi comandante supremo da NATO e entre 2010 e 2013 chefiou o comando central do Médio Oriente. Desde que se reformou tem sido conselheiro e investigador na Hoover Institution, um think tank prestigiado ligado à Universidade de Stanford, na Califórnia.
Nessa qualidade teve algumas intervenções públicas que permitem antever o sentido da sua acção à frente do poderoso aparelho militar americano. Considera o Irão a ameaça mais duradoura à estabilidade no Médio Oriente, mais do que grupos terroristas como o ISIS (Estado Islâmico) ou a Al-Qaeda. E é muito crítico em relação ao acordo nuclear feito pelo presidente Obama. Diz que ele apenas adia o problema e não impede o Irão de vir a ter um arsenal nuclear. Por isso, considera que o próximo presidente vai “herdar uma confusão” no Médio Oriente.
Uma região que Mattis conhece bem porque chefiou o comando central americano ali sediado durante três anos. Para ele, a política seguida pela administração Obama nos últimos anos tornou os Estados Unidos “quase irrelevantes”, com a menor influência em quarenta anos.
Estes pontos de vista, nomeadamente em relação ao acordo com o Irão sobre o nuclear, aproximam Mattis das posições expressas por Trump durante a campanha eleitoral. O magnata disse várias vezes que o acordo com o Irão era “um desastre” e ameaçou denunciá-lo.
Já o mesmo não pode dizer-se das posições em relação à NATO. Mattis mostrou-se incrédulo quando ouviu as referências de Trump à necessidade de os aliados dos EUA terem de pagar mais pela sua defesa, insinuando que poderia não os defender perante ameaças externas. Para o general, tais palavras introduzem instabilidade na Aliança Atlântica, algo que reputa indesejável. Recorde-se que Trump chegou a classificar a NATO como “obsoleta” e Mattis é um defensor convicto da aliança, onde trabalhou três anos com o objectivo de melhorar a capacidade de defesa dos aliados.
Outra dificuldade que o novo secretário da Defesa poderá enfrentar é o relacionamento com o Conselheiro Nacional de Segurança escolhido por Trump, o general Michael Flynn. O estilo dos dois homens e as posições em relação a várias questões delicadas diferem, o que será um potencial foco de conflito. Flynn, considerado mais “duro”, trabalhará na Casa Branca directamente com o presidente, conduzindo os briefings matinais sobre segurança e defesa, enquanto Mattis necessitará de requerer acesso a Trump sempre que o deseje.
Por definição de funções, Flynn influenciará bastante mais o presidente do que o seu secretário da Defesa, o que para um homem tido por desabrido que gosta de dizer na cara do interlocutor aquilo que pensa talvez não seja muito agradável. Veremos se James Mattis se adapta a uma função algo subalterna na área que vai tutelar.