03 dez, 2016 - 09:38 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
A economia americana criou no mês de Novembro 178 mil novos postos de trabalho e a taxa de desemprego baixou para 4,6%. É uma descida de 0,3 pontos percentuais em relação a Outubro, a maior queda mensal em dois anos.
Com uma taxa de 4,6%, os Estados Unidos atingiram a melhor situação no mercado de trabalho desde 2007 e chegam agora a uma situação de quase virtual pleno emprego (os especialistas consideram virtual pleno emprego uma taxa oficial de 4%) no final dos oito anos de Obama na Casa Branca.
Quando o presidente cessante tomou posse, em Janeiro de 2009, a América perdia cerca de 800 mil empregos por mês. Com o plano de recuperação da economia então lançado a situação foi-se invertendo até criar em 2015 uma média de 229 mil empregos por mês e este ano uma média de 180 mil.
Em 2009, a taxa de desemprego atingiu os 10% e o facto de estar agora a menos de metade reflecte o crescimento lento, mas sustentado, da economia nestes oito anos. Na semana passada, o Departamento de Comércio revelou que a taxa de crescimento deste ano será de 3,2%, o melhor desempenho desde o início da Grande Recessão. Além disso, os preços das casas continuam a subir e a confiança dos consumidores está alta.
Esta situação mostra o contraste entre a conjuntura económica com que Obama se deparou quando tomou posse e aquela de que Donald Trump vai partir para o seu mandato. Durante a campanha eleitoral, o magnata afirmou várias vezes que o desemprego estava altíssimo e chegou a lançar números arbitrários como 25%.
Muitos dos seus apoiantes acusaram ainda Obama de ser o único presidente desde a Grande Depressão que deixava a Casa Branca sem que a economia tivesse atingido um crescimento de 3%. Os números actuais desmentem também esse argumento.
Fed sobe juros
E se no caso do desemprego os 4,6% estarão a beneficiar de um número crescente de pessoas que desistiu de procurar emprego “aliviando” as estatísticas oficiais – especialistas falam em cerca de 450 mil – já no caso do crescimento económico as actuais condições apontam para uma provável subida dos juros pela Reserva Federal.
Os responsáveis do banco central americano (Fed) vão reunir nos próximos dias 13 e 14 e os analistas antecipam como altamente provável que subam as taxas de juro 0,25 pontos percentuais, reflectindo a nova conjuntura favorável, mas também a expectativa em relação à política económica de Trump.
O Presidente eleito prometeu um programa de renovação das infraestruturas do país e a descida dos impostos, dois factores com potencial para gerar inflação, além de crescimento, naturalmente. A concretizar-se, a subida de juros será a primeira deste ano.
A eleição de Trump provocou igualmente uma subida nas bolsas, outro sinal de optimismo dos mercados em relação ao futuro. Mas subsistem muitas dúvidas quanto à concretização dos planos do magnata.
O plano de renovação das antiquadas infraestruturas do país – estradas, auto-estradas, aeroportos, redes eléctricas, barragens, caminhos-de-ferro – está estimado em milhares de milhões de dólares de investimento público, algo que contraria a doutrina do Partido Republicano. Não é por isso garantido que o novo presidente consiga os votos da “sua” maioria no Congresso para aprovar tal plano, embora nesse caso possa procurar entendimento com os democratas, favoráveis ao investimento público, e ser bem-sucedido.
Resta saber, contudo, onde irá Trump buscar o dinheiro, já que se concretizar as descidas de impostos que prometeu só poderá fazê-lo à custa de um aumento brutal do défice federal. É que além da renovação das infraestruturas, o candidato prometeu gastar mais no aparelho militar, no apoio aos veteranos de guerra, acabar com os sem-abrigo, melhorar os sistemas de saúde e de educação, enfim uma série de medidas que fariam rejubilar qualquer keynesiano.
Guerras comerciais
Outra nuvem negra no horizonte resulta das ameaças do candidato em relação ao livre comércio internacional. Declarar a China manipuladora da moeda e abrir uma guerra comercial com Pequim, rejeitar o acordo comercial com os países asiáticos do Pacífico (TPP), denunciar o acordo comercial com o México e o Canadá (NAFTA), começar a taxar importações ad hoc, são algumas das promessas feitas. A sua concretização abrirá seguramente guerras comerciais com inúmeros países, que ao retaliarem criarão um clima internacional de proteccionismo com efeitos nefastos na economia mundial.
Um cenário de estagnação económica não é por isso de excluir, invertendo-se o ciclo de crescimento que se vive no pós-recessão. E estagnação económica conjugada com inflação – a chamada estagflação – é, como sabemos, uma receita politicamente perigosa, muito perigosa.
Acresce que a tendência de Trump para tomar decisões casuísticas com base nos impulsos imediatos abre um campo de imprevisibilidade nada recomendável para a economia. Esta semana promoveu um acordo com uma empresa do Indiana para evitar que uma fábrica de fornos e de ar condicionado fosse deslocalizada para o México.
Salvou assim 1100 postos de trabalho, cumprindo uma promessa que tinha feito na campanha eleitoral quando passou pelo Indiana. Mas decidiu-se a tal quando viu uma reportagem televisiva em que um operário da fábrica reclamava o cumprimento da promessa. Pegou no telefone e ligou ao gestor da empresa propondo-lhe um acordo, que passou por incentivos fiscais no valor de sete milhões de dólares dados pelo Estado do Indiana, de que o vice-presidente eleito Mike Pence ainda é o governador. Em contrapartida, a empresa comprometeu-se a fazer um investimento local que ascenderá a 16 milhões de dólares, mas não abdicou de extinguir cerca de 700 postos de trabalho.
Distorcer o mercado
Se ninguém põe em causa o benefício social de conseguir manter mil empregos industriais, já o tipo de intervenção de Trump suscita críticas de várias proveniências. No campo conservador a iniciativa do magnata é vista por muitos como uma distorção do mercado e uma interferência na liberdade de circulação de capitais.
Dan Ikenson, director no Cato Institute, um think tank libertário, citado pelo “Washington Post”, chama-lhe um “precedente bastante mau” porque incentiva as empresas a anunciar que se vão embora e a perguntar o que pode o Governo fazer por elas.
Um consultor de grandes companhias, falando anonimamente, alerta para o “território desconhecido” em que o presidente-eleito se está a meter, ao “envolver-se pessoalmente na engenharia social de uma só empresa”. Agora, acrescenta, os gestores vão começar a “perguntar quem é o próximo”.
Timothy Bartik, economista num instituto do Michigan, diz que as vagas ameaças feitas pelo presidente-eleito a quem queira deslocalizar-se podem entravar investimentos nas empresas receosas de desencadear a ira da Casa Branca. “Quais são as consequências disto? Quem manda afinal nas empresas?”, pergunta. “Uma das piores coisas para o investimento empresarial é a incerteza e espera-se que o governo não contribua para a aumentar”, lembra.
Jeff Windau, um analista de investimentos numa firma de St. Louis, estima que quando Trump estiver na Casa Branca não terá “a largura de banda” suficiente para fazer este tipo de acordos e classifica o facto de o presidente eleito se focar apenas numa companhia e num local específico como sendo uma “visão bastante micro do mundo”.
Sanders ao ataque
A crítica mais contundente acabou por vir de Bernie Sanders, que escreveu um artigo para o “Post”, mas numa perspectiva bem diferente. O senador democrata, fazendo jus ao seu posicionamento ideológico de esquerda, lembra que ainda há poucos meses Trump tinha ameaçado a empresa em causa que pagaria um imposto enorme se deslocasse empregos para o México e acabou por vir a dar-lhe incentivos fiscais de sete milhões de dólares. Afinal que conversa era essa de se opor à ganância empresarial, pergunta Sanders.
Com esta atitude, Trump deu um sinal a toda a América corporativa que pode ameaçar deslocalizar empregos para obter em troca amigáveis benefícios fiscais e incentivos, acusa o senador. E revela números sobre a empresa: no ano passado teve lucros de 7,6 mil milhões de dólares e só um antigo gestor recebeu 172 milhões, enquanto os cinco executivos mais bem pagos ganham 50 milhões por ano. Tudo isto com reduções de impostos à mistura.
“Será esta uma empresa que merece ajudas do Estado?”, interroga Sanders, que reclama maior dureza com as empresas que prefiram produzir no estrangeiro. Como? Através do pagamento de uma taxa igual à poupança que calculam ter ao deslocalizarem-se para países de mão-de-obra barata, da recusa de quaisquer contratos com o Governo federal, da devolução das reduções fiscais e da proibição de premiar os executivos que tomem tal decisão.
Trump não parece nada incomodado com as críticas. Ao visitar a fábrica no Indiana repetiu que as empresas não mais deixariam o país sem sofrerem consequências e acha que a sua atitude é “muito presidencial”. “E se não for, não faz mal, porque eu gosto muito de o fazer. Vai haver muitos telefonemas para empresas que disserem que vão deixar o país”, prometeu.
Uma promessa que Justin Amash, um congressista republicano do Michigan vê como uma “intromissão” no mercado livre e que não é função do presidente. “Vivemos numa república constitucional, não numa autocracia”, escreveu no twiter.
E que Luigi Zingalez, um economista da Universidade de Chicago, caracteriza como algo que encoraja as empresas a colocarem o lobbying e os favores políticos à frente do investimento e da inovação. É uma atitude que recompensa as ligações políticas em vez da eficiência e produtividade e que pode tornar a economia menos dinâmica e competitiva, alerta este especialista. “Em vez da ideia de secar o pântano [de Washington, como Trump prometeu], isto é alimentar o pântano”, conclui.
Por ora, os sinais são contraditórios. Será que a “trumpnomics” vai ficar conhecida por um estímulo fiscal e de investimento que gera crescimento e prosperidade ou antes por um intervencionismo estatal de compadrio que gera proteccionismo e estagnação?