09 dez, 2016 - 06:29 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
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Colocar a raposa a guardar o galinheiro. Raramente o aforismo popular terá tido aplicação tão certeira quanto agora.
Donald Trump escolheu, na quinta-feira, para dirigir a Agência de Protecção do Ambiente (EPA, equivalente ao Ministério do Ambiente) um declarado inimigo das políticas de defesa ambiental seguidas pela agência e alguém ligado, sobretudo, à indústria petrolífera.
Scott Pruitt é “attorney-general” (procurador/ministro da Justiça) do estado do Oklahoma e nessa qualidade processou várias vezes a EPA por alegadamente exorbitar os seus poderes ao interferir nas políticas ambientais dos estados.
Aliando-se a procuradores de outros estados republicanos, Pruitt processou a EPA por tentar aplicar o plano de Obama para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa provenientes de centrais eléctricas (Clean Power Plan) e avançou para tribunal contra a intenção da agência em reduzir as emissões de metano provocadas pela exploração do petróleo e do gás natural.
Mal tomou posse do cargo de procurador do Oklahoma, em 2010, criou aquilo a que chamou uma “unidade federalista” para “combater mais eficazmente as injustificadas regulações e os excessos” das agências federais, que acusa de usurparem poderes dos estados ao imporem decisões de carácter ambiental uniformes em todo o país. A designação “federalista” visa sublinhar a autonomia dos estados neste tipo de decisões.
Pruitt gaba-se de ser “um advogado de primeira linha contra a agenda activista da EPA” e não esconde as suas ligações à indústria energética. Saiu em defesa da ExxonMobil quando este gigante do petróleo foi investigado por suspeita de ter ocultado informação sobre as mudanças climáticas.
A investigação foi lançada por procuradores de estados democráticos e Pruitt, juntamente com o seu homólogo republicano do Alabama, foi o único procurador que defendeu publicamente a ExxonMobil.
Em 2014, o “New York Times” noticiou que uma carta assinada e divulgada por Pruitt acusando a EPA de ter exagerado a poluição provocada pela exploração do gás natural tinha sido afinal escrita pelos advogados da Devon Energy, uma das maiores companhias de petróleo e gás do Oklahoma.
Pruitt foi ainda líder da Associação de Procuradores Republicanos, uma organização que tem sido financiada pela indústria do petróleo e por grupos ultraconservadores. Sheldon Adelson, o conhecido magnata dos casinos de Las Vegas e Macau e um financiador recorrente de candidatos republicanos, os irmãos Koch, famosos multimilionários e igualmente financiadores republicanos e a Murray Energy, uma grande companhia mineira de carvão, são alguns deles.
A nomeação de Scott Pruitt foi anunciada num comunicado do gabinete do Presidente eleito – o órgão oficial que gere este período de transição – com o título “Um advogado para uma EPA sem lei” e começa da seguinte forma: “À medida que Donald Trump vai revelando os seus nomeados para as questões internas, os democratas vão descobrindo com horror que ele vai mesmo fazer aquilo que disse”.
No segundo parágrafo ataca as políticas ambientais de Obama que “queria acabar com a indústria do carvão” e que se atribuía a autoridade de “chamar a cada lago ou poça uma linha de água”. Depois garante que a primeira tarefa de Pruitt é restaurar o respeito pela Constituição e pelo federalismo na EPA, algo que “sabe fazer porque liderou as acusações legais dos estados contra os abusos da EPA”.
“Os democratas vão atacar Pruitt como um negacionista das mudanças climáticas, mas a sua única ofensa é discordar deles nas políticas energéticas. A ironia é que Pruitt fará provavelmente mais pelo ambiente do que Obama jamais fez, porque garantirá que as normas emitidas pela EPA terão fundamento legal e não serão revogadas pelos tribunais”, diz ainda o comunicado do gabinete oficial de Trump, cujos responsáveis se mantêm num registo propagandístico, como se verifica, apesar de já ter passado um mês sobre as eleições.
A ênfase da equipa de Trump está posta sobretudo na questão legal. Considerado um “perito em direito constitucional”, Pruitt não deixa dúvidas sobre as suas intenções: “O povo americano está cansado de ver milhares de milhões de dólares sugados da nossa economia devido a regras desnecessárias da EPA e tenciono gerir esta agência de modo a promover não só a protecção do ambiente mas também a liberdade de negócio dos americanos”.
Desregular o sector será, portanto, uma prioridade, bem como deixar ao critério dos estados o essencial dos regulamentos ambientais, impedindo que as normas da EPA se possam sobrepor à legislação estadual.
“O que preocupa os estados são os procedimentos e penso que a autoridade exercida pela EPA é inconsistente com o seu estatuto constitucional”, afirmou Pruitt em Setembro ao “Washington Post”, defendendo que a agência não deve tentar “substituir” o Congresso.
Coerente com esta posição, Scott Pruitt é também um céptico em relação às alterações climáticas. “Os cientistas continuam a discordar sobre o grau e extensão do aquecimento global e a sua ligação à acção humana”, afirmou, não indo contudo tão longe quanto Trump, que chegou a dizer na campanha que o aquecimento global era um embuste inventado pela China para prejudicar a economia americana.
Já depois de eleito, Trump moderou a posição e admitiu numa conversa com o “New York Times” que poderá haver “alguma conectividade” entre a acção humana e o aquecimento do planeta, mostrando-se empenhado em garantir um ar e água limpos e despoluídos. E esta semana recebeu o antigo vice-presidente Al Gore, um dos mais destacados activistas ambientais, que classificou o encontro como sendo uma procura sincera de assuntos comuns.
Se estas indicações pareciam apontar para uma maior moderação nas questões ambientais, a escolha de Scott Pruitt aponta no sentido oposto. As reacções à nomeação foram sintomáticas. Enquanto todos os ambientalistas foram duros nas críticas ao nomeado, os responsáveis das indústrias petrolífera, energética e mineira rejubilaram. Em Scott Pruitt terão um defensor claro dos seus pontos de vista, a quem aliás têm financiado generosamente.
O Oklahoma é o quinto estado da União em produção petrolífera, tem cinco refinarias a funcionar, possui um dos gigantes em armazenamento de crude e é um importante centro de comércio do petróleo, que contribui para a definição dos preços no mercado. É ainda responsável por dez por cento da produção de gás natural do país, tendo 73 plataformas de extracção em actividade.