18 fev, 2017 - 01:07 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
No mesmo dia em que garantia aos quatro ventos que a sua administração funcionava como “uma máquina bem afinada”, numa conferência de imprensa inusitada a todos os títulos, Donald Trump recebia mais um sinal da desconfiança com que a administração é encarada no “establishment” político e militar americano.
O seu conselheiro de Segurança Nacional demitiu-se na segunda-feira à noite e no final da semana o cargo continua preenchido interinamente porque o militar que o presidente escolheu para substituir Michael Flynn recusou o posto por motivos nada lisonjeiros para Trump.
Robert Harward, um almirante reformado que pertenceu às forças especiais da Marinha, recusou o convite para conselheiro de Segurança Nacional porque, segundo confidenciou um seu amigo, não lhe foi dada luz verde para escolher a equipa com quem iria trabalhar e porque tem inúmeras objecções à forma como funciona a Casa Branca.
Oficialmente, a recusa deve-se a motivos familiares e financeiros. O almirante é um quadro da Lockheed Martin, uma empresa que constrói aviões militares e material de guerra, entre outras coisas, e tem negócios em todo o mundo. A sua remuneração na empresa é várias vezes superior aquilo que iria ganhar como conselheiro de Segurança, além de que as funções públicas lhe exigiriam uma dedicação de 24 horas por dia, sete dias por semana.
Embora compreensíveis e atendíveis para quem serviu 40 anos na Marinha e se privou durante longos períodos do convívio familiar, não é habitual um militar, mesmo na reforma, dizer que não ao presidente. O sentido de serviço público geralmente prevalece sobre outras considerações de carácter pessoal. Mas não foi esse o caso de Robert Harward, um militar prestigiado e com grande currículo que trabalhou com o actual secretário da Defesa, James Mattis.
O assessor Brennon
As razões oficiais do almirante não terão sido, portanto, as que verdadeiramente o levaram à recusa do convite. Fontes muito próximas dele garantiram à imprensa que Harward terá ficado desagradado quando soube que Trump tinha prometido à adjunta de Michael Flynn que continuaria no cargo. Uma das suas exigências era poder formar equipa com total liberdade e portanto herdar uma adjunta do seu antecessor comprometia esse desígnio.
Além disso, a sua opinião sobre a forma como funciona a nova administração não é nada positiva e a nomeação de Stephen Bannon, o estratega político de Trump, como membro do Conselho de Segurança Nacional (CSN) terá sido outro motivo para rejeitar o cargo. É a primeira vez que no CSN tem assento um assessor do presidente, já que este órgão agrega representantes de organismos ligados à defesa, como os ramos das Forças Armadas, as forças de segurança e as agências de “intellligence”. Além dos secretários de Estado e da Defesa, naturalmente.
Acresce que Bannon gerou inúmeros anticorpos, dado que se tornou famoso por dirigir um blogue de extrema-direita e exprimiu posições públicas marcadas pelo anti-semitismo. Atribuir-lhe um estatuto equiparado ao de membros do governo e responsáveis pelas Forças Armadas e pela espionagem foi visto no “establishment” de Washington como um enorme erro político e ofensivo para o CSN. O almirante Harward quereria gerir o CSN nos moldes tradicionais, livre de assessores e outros funcionários “políticos”.
Justamente no dia em que completa um mês no cargo de presidente, Trump encerra esta quarta semana envolvido em várias crises. Começou na segunda-feira com a demissão de Michael Flynn, prosseguiu com a desistência do candidato ao cargo de secretário do Trabalho, prolongou-se com a recusa do convite ao general Harward para conselheiro de Segurança Nacional e passou ainda pela surreal conferência de imprensa em que tentou negar aquilo que é cada vez mais notório – o caos em que está mergulhada a sua administração, a tal em que “funciona como uma máquina bem afinada”.
Uma semana em que falhou ainda ao não avançar com uma nova ordem executiva anti-imigração, ao contrário do que havia prometido. E em que a recusa do almirante Harward para CSN foi um desaire significativo. Trump estava convencido que ele era a solução ideal para substituir Michael Flynn e disse-o mesmo na conferência de imprensa. “Tenho alguém excepcional para o cargo. E isso também me ajudou a tomar a decisão”, afirmou. Ou seja, a decisão de despedir Flynn foi facilitada pelo facto de ter na manga um almirante que afinal lhe disse que não.
Com a sua obsessão em culpar os média por todos os problemas da América, como fez na conferência de imprensa de quinta-feira, Trump vai somando críticas crescentes à forma como gere a Casa Branca e o país. E que não vêm apenas dos média, nem dos democratas na oposição.
A propósito da situação no CSN, o senador republicano John McCain mostrou-se apreensivo com a situação “disfuncional significativa em que está o aparelho de segurança nacional”. A Casa Branca, acrescentou, é um lugar em “que ninguém sabe quem manda, nem ninguém sabe quem define as políticas”.
E mesmo alguns militares no activo já não se inibem de exprimir a sua preocupação. Tony Thomas, um general que lidera o Comando de Operações Especiais, disse na terça-feira numa palestra militar que “o nosso governo continua numa confusão inacreditável. Espero que consigam corrigir isso porque somos uma nação em guerra”. Como comandante, “estou preocupado em que o governo seja o mais estável possível”.
Estabilidade é algo que parece incompatível com a personalidade de Donald Trump. Veremos como se comporta no segundo mês como presidente.