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Crónicas da América
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Análise

Trump Júnior dá aos investigadores primeira prova do conluio com os russos

12 jul, 2017 - 08:39 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Para derrotar Clinton, a campanha de Trump não olhou a meios. E não hesitou em reunir-se com agentes russos para recolher informações comprometedoras para Hillary. O filho mais velho do candidato pôs tudo nos emails. Que agora são públicos.

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Uma semana depois de o pai ter vencido as primárias republicanas e garantido a nomeação como candidato à Casa Branca, Donald Trump Jr. recebeu um email de um conhecido a dizer que tinha alguém interessado em passar-lhe informação comprometedora para a adversária democrata, Hillary Clinton.

O filho mais velho de Trump não conhecia o tal contacto nem sabia o seu nome. Mas conhecia a pessoa que lhe enviou o email: um agente de músicos russos que lhe foi apresentado em Moscovo em 2013 durante o concurso de Miss Universo.

Rob Goldstone de seu nome trabalhava agora para a família do magnata russo que pagou o concurso de beleza e que se associou a Trump para construir em Moscovo uma torre com o nome do actual Presidente americano.

Face à perspectiva de ter acesso a informações incómodas para Clinton no momento em que ia começar uma campanha eleitoral feroz para conquistar a Casa Branca, Donald Jr. não hesitou em disponibilizar-se para receber a dita pessoa.

As campanhas eleitorais são, geralmente, negócios sujos e na América mais do que em qualquer outra democracia. Quem anda no “business” sabe como ele é “dirty” e ninguém resistiria a uma proposta como a que chegou por email. Donald Jr. decidiu por isso ir a jogo.

Marcou o encontro para dali a alguns dias na Trump Tower, sede da campanha do pai. Como tinha alguma expectativa, pediu ao cunhado, Jared Kushner, e ao director da campanha, Paul Manafort, que passassem também pelo seu gabinete para ouvir.

O tal contacto apareceu à hora marcada, mas a conversa terá sido frustrante, não havia quaisquer informações incómodas sobre Clinton; a pessoa parecia interessada em desviar o assunto para outro tópico e Donald Jr. pôs fim ao diálogo ao fim de 20-30 minutos. Uma perda de tempo num momento em que não há tempo a perder. Foi o primeiro e o último contacto com a tal pessoa e o assunto morreu ali.

Morreu? Talvez morresse se as coisas se tivessem passado realmente assim. Se se tivessem passado como Trump Jr. as descreveu desde que no sábado passado o “New York Times” o começou a interrogar sobre o caso e a publicar pormenores sobre o encontro.

O que o filho mais velho do Presidente foi revelando a conta-gotas até terça-feira dava a entender que o encontro tinha sido inócuo e era banal no contexto de uma campanha eleitoral. Isto, apesar de o contacto ser uma advogada russa com ligações ao Kremlin e ter sido anunciada como alguém que teria informações sobre como a campanha de Hillary Clinton estaria a interagir com Moscovo.

A lei nos Estados Unidos é clara. Ninguém pode solicitar ou aceitar contribuições de cidadãos estrangeiros para influenciar eleições americanas. E por contribuições não se entendem apenas contribuições financeiras, mas quaisquer “outras coisas de valor” provenientes de estrangeiros.

No sábado, Donald Jr. começou por dizer que a reunião tinha sido pedida para debater “principalmente” questões ligadas às sanções que Obama tinha decretado em 2012 contra 44 responsáveis russos por violações dos direitos humanos.

Mas, no domingo, já admitiu que Goldstone, que lhe sugeriu o encontro, dissera que a advogada “poderia ter informações úteis para a campanha”. Informações que mais tarde descreveu como “vagas”, “ambíguas” e “sem sentido”. E quando a conversa mudou para o tema das sanções, Donald Jr. interrompeu a advogada russa para dizer que o seu pai era um “cidadão privado e não um funcionário eleito” e que o assunto só faria sentido quando e se ele fosse eleito.

Ou seja, em 24 horas o tema sanções passou do assunto “principal” do encontro a um “pretexto” para um encontro que não tinha sentido naquele momento.

Na segunda-feira optou pela ironia, escrevendo no Twitter: “Obviamente, sou a primeira pessoa numa campanha eleitoral a encontrar-se com alguém para ouvir informação sobre um adversário… que não levou a nada, mas tinha de ouvir”.

Desvalorizar o encontro

O facto de se tratar de uma advogada russa com ligações ao Kremlin – uma “lobbyista” de Moscovo cujas actividades nos EUA já despertaram a atenção do FBI – foi desvalorizado por Trump Jr., que alegou ignorar tal condição e mesmo o nome da pessoa antes de o encontro ocorrer. Fez todos os esforços para convencer a opinião pública de que a reunião tinha sido inócua, sem consequências.

Parecem, todavia, argumentos frágeis perante a lei do país. Porque o que estará em causa não é se Donald Jr. teve acesso a grandes segredos e ignorava o nome de quem lhos iria passar. O que estará em causa é que ele aceitou encontrar-se com um cidadão estrangeiro que teria informações sensíveis para ajudar a campanha eleitoral do seu pai à Casa Branca.

Se o resultado foi bom ou mau para a campanha parece pouco relevante à luz da lei. Quando recebeu o email de Goldstone, Trump Jr. só deveria ter uma atitude enquanto responsável da campanha do pai: rejeitar a proposta e o encontro com a advogada russa.

Porque não o fez então? Ingenuidade? Ignorância da lei? A resposta surgiu esta terça-feira quando o cerco se apertou. O “New York Times” teve acesso à troca de emails entre ele e Goldstone, e, ao saber disso, Donald Jr. antecipou-se e divulgou ele próprio a correspondência.

Quis ser “totalmente transparente”, mas o resultado é devastador. Revela toda a dimensão das mentiras que sustentou desde sábado sobre os contornos do encontro suspeito. Antes de mais, porque o email de Goldstone diz explicitamente que se tratava de uma advogada russa com ligações ao Kremlin.

Chama-lhe “advogada do governo russo” que forneceria “informações prejudiciais para Hillary Clinton” e que o faria no âmbito do “apoio da Rússia e do seu governo” à campanha de Trump.

Depois revela que o procurador-geral russo se prontificou a “fornecer documentos oficiais e informação que incriminariam Hillary e os seus acordos com a Rússia e que serão muito úteis para o seu pai”. E adverte que se trata de “informação de alto nível e muito sensível, mas faz parte do apoio da Rússia e do seu governo ao Sr. Trump”.

Era difícil ser mais explícito. Pelo menos três mentiras de Donald Jr. ficaram aqui patentes. Não há qualquer referência ao tema sanções à Rússia como tópico da conversa, muito menos como assunto “principal”.

Está escrito, preto no branco, que se trata de uma “advogada do Governo russo”. Está escrito, preto no branco, que se trata de um apoio do governo russo à campanha do pai, com documentos entre outras informações.

“Se é assim, adoro”

Perante tal clareza, terá Trump Jr. tido qualquer dúvida, qualquer hesitação? A sua reacção ao email retribuiu a clareza do interlocutor. “Se é como diz, adoro, especialmente lá para o fim do Verão”.

Isto é, Donald Jr., um dos principais responsáveis da campanha eleitoral do pai, actual Presidente dos EUA, adorou a ideia de receber informações comprometedoras para Hillary Clinton fornecidas por uma enviada do governo russo. A própria enviada confirmou agora numa entrevista televisiva que ele estava “ansioso” por saber o que ela tinha para dizer.

E tanto adorou a ideia que se dispôs de imediato a marcar uma reunião com a advogada, que teve lugar seis dias depois na sede da própria campanha eleitoral e na presença do director de campanha e do genro do candidato, que era então um dos principais estrategos e é hoje conselheiro principal na Casa Branca.

Recorde-se que os serviços secretos americanos há muito que concluíram que tinha havido interferência russa na campanha eleitoral com o intuito de favorecer Trump. Investigam agora se nessa intromissão houve cumplicidade, conluio, conspiração, de responsáveis da campanha “trumpista”. Ou melhor, o FBI investigava justamente isso quando Trump despediu o director.

Actualmente, decorrem várias investigações no Congresso sobre o assunto, em comissões diferentes, mas sobretudo está em marcha a investigação do procurador especial nomeado pelo Departamento de Justiça, Robert Mueller.

Antigo director do FBI, Mueller tem reputação de ser um jurista arguto e um investigador implacável. Mas neste caso de Donald Jr. tais características não parecem indispensáveis para concluir que houve conluio entre um alto responsável da campanha de Trump e o governo russo.

Robert Mueller terá nestes emails uma primeira prova concreta, material, desse conluio (“collusion”, na designação inglesa), um termo que assumiu uma dimensão política forte nestes tempos na América, mas que não está consagrado na lei.

Para concluir que houve crime, os investigadores terão de provar a existência de “conspiração”, essa sim, cunhada na lei. Conspirar com um governo estrangeiro para influenciar as eleições internas é a acusação que Trump Jr. arrisca agora.

“Admissão chocante”

Juristas ouvidos por vários órgãos de comunicação social americanos convergem na conclusão de que houve conspiração, porque Donald Jr. sabia claramente que se ia reunir com uma enviada de um governo estrangeiro para obter informações que prejudicassem um candidato às eleições americanas. Para citar apenas um – Jens Ohlin, professor de Direito na Universidade de Cornell: “É uma admissão chocante de conspiração criminal”.

Mais, o facto de ele ter convocado para a reunião o director de campanha e um dos principais conselheiros acentua a importância que atribuiu ao encontro e a expectativa que tinha em relação a ele. Com a agravante de que Paul Manafort, o director da campanha, era um homem com fortes ligações a Moscovo, de quem recebeu muitos milhares de dólares por serviços diversos prestados às causas do Kremlin, incluindo na Ucrânia.

O próprio Trump Jr. tem uma vasta experiência com o mundo de negócios russo. Nos últimos dois anos, deslocou-se ao país pelo menos uma dúzia de vezes e em 2008 afirmou que os russos representavam uma parte desproporcionada dos activos do império Trump. “Vemos muito dinheiro a entrar vindo da Rússia”, revelou numa conferência do sector imobiliário.

Aspectos que não escaparão seguramente à equipa de Robert Mueller. À cautela, Donald Jr. já contratou um advogado de Nova Iorque especialista em direito criminal. É o terceiro elemento ligado ao “trumpismo” que necessita de contratar um advogado particular para se defender de eventuais acusações criminais, depois de Paul Manafort e de Michael Flynn, ex-conselheiro de Segurança Nacional.

O caso não é para menos, já que o sistema judicial americano se baseia sobretudo na apresentação de provas materiais em julgamento contra as quais os argumentos costumam claudicar.

Os emails agora revelados fornecem justamente essas provas, colocando o caso da conspiração russa na campanha eleitoral americana num outro patamar.

Até hoje, o que tinha surgido eram sobretudo declarações, insinuações, suspeitas, de um lado, e negações veementes do outro. Todos os intervenientes “trumpistas” têm desvalorizado o assunto publicamente, a começar no próprio presidente que o considera uma “invenção” dos democratas.

Como digno herdeiro, Donald Jr. não fugiu ao padrão. Cerca de um mês depois da reunião com a advogada russa, disse na CNN que as suspeitas de conspiração com os russos eram “nojentas” e “falsas”. E em Março último, interrogado pelo “New York Times” sobre se tinha alguma vez discutido assuntos governamentais relacionados com a Rússia, foi taxativo: “Cem por cento não”.

Tudo indica que, a partir de agora, Donald Jr. vai ter de dedicar 100% do seu tempo a preparar uma defesa credível para explicar aos investigadores o inusitado encontro com a advogada russa ligada ao Kremlin.

Para já limitou-se a proteger o pai, garantindo que ele nunca soube nada sobre a reunião. Mas como a experiência já abundantemente demonstrou, a verdade é um valor muito relativo no seio da família Trump.

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