05 jan, 2018 - 06:29 • José Alberto Lemos, nos EUA
É um livro, chama-se “Fogo e Fúria: por dentro da Casa Branca de Trump”, só chega esta sexta-feira às livrarias, mas já lançou fogo e fúria em Washington.
O fogo está nas suas páginas, a fúria veio da Casa Branca. Mas ao contrário do que possa pensar-se não é uma co-produção. É uma confrontação da qual a verdade e a justiça poderão sair a ganhar. E muito.
Comecemos pelo fim, que é onde a verdade e a justiça poderão vencer. Uma das revelações feitas no livro coloca o presidente no centro do furacão que é a investigação a uma eventual conspiração entre a campanha de Trump e a Rússia.
De que modo? Ao revelar que ele teve conhecimento do encontro entre uma advogada russa, tida como enviada do Kremlin, e o filho mais velho de Trump, o genro e o director de campanha, no Verão de 2016 em plena Trump Tower. Este encontro, que forneceu provas materiais de conluio entre a campanha e Moscovo, sempre foi descrito pelos participantes como irrelevante e como algo de que Trump não tinha sequer tido conhecimento.
Recorde-se que o encontro foi apresentado explicitamente a Trump Junior, em emails que lhe foram enviados por um intermediário seu conhecido, como visando fornecer à campanha “sujidade” sobre Hillary Clinton e que tal iniciativa era parte do esforço do Kremlin para ajudar Donald Trump a vencer as eleições. A esta explicação para o encontro, Trump Junior respondeu que “adorava” a ideia.
O que o livro revela é que o então candidato foi informado do encontro, mas — mais do que isso — até se encontrou com a advogada russa. Quem o afirma é Steve Bannon, o ex-conselheiro de Trump conotado com a extrema-direita e que abandonou a Casa Branca em Agosto passado. Ele parece ser a fonte principal do livro, já que o autor, Michael Wolff, é um jornalista que era visto com frequência no seu gabinete da Ala Oeste da Casa Branca.
Bannon não poupou nas palavras ao descrever o encontro com a alegada enviada do Kremlin. “Os três dirigentes mais importantes da campanha acharam boa ideia reunir-se com representantes de um governo estrangeiro na Trump Tower sem a presença de advogados. Mesmo que se pense que isto não era traição, pouco patriótico ou uma má ideia — e eu penso que é tudo isso — o que deviam ter feito era alertar o FBI imediatamente”.
Não o fizeram, expondo-se assim a uma reunião tida por claro conluio com um governo estrangeiro, o que constitui um crime federal. Mas, segundo Bannon, o próprio presidente terá corrido o mesmo risco ao receber a enviada do Kremlin. “A hipótese de Don Junior não ter levado (os participantes na reunião) ao gabinete do pai no 26º andar é zero”, afirmou.
Esta é uma afirmação que os investigadores vão querer certamente confirmar sem margem para dúvidas. Donald Junior, o filho, e Jared Kushner, o genro, já foram interrogados pelos investigadores e vão seguramente ainda ter de prestar mais esclarecimentos. Além de que Steve Bannon, que sempre se distanciou das questões ligadas à Rússia e alertou para os seus perigos, deverá ser agora chamado a consubstanciar as afirmações feitas.
É sua convicção, também explicitada no livro, que quer o FBI quer o investigador especial estão a seguir a pista financeira, por estarem convencidos que Donald Junior e Kushner estão envolvidos em operações de lavagem de dinheiro. “Eles vão esmagar o Don Junior como um ovo na televisão”, vaticinou Bannon.
A fúria de Trump
Este fogo lançado sobre a Casa Branca desencadeou naturalmente a fúria do presidente, que acusou Bannon de ter perdido a cabeça quando perdeu o emprego. “Ele enlouqueceu quando foi despedido da Casa Branca”, disse Trump do seu antigo ideólogo, desvalorizando de imediato o seu papel na "entourage" presidencial. De conselheiro muito próximo e pessoa de confiança, Bannon passou a responsável por fugas de informação, difusor de notícias falsas “para fingir que era importante” e alguém que só “raramente participava em reuniões” com o presidente. Mesmo em relação à campanha, Trump disse que ele não tinha tido qualquer mérito na vitória.
Este é o padrão habitual de Trump quando alguém dele se afasta — desvalorizar o seu papel no círculo próximo. No entanto, mesmo depois de ter deixado a Casa Branca, Bannon continuou a falar com Trump por telefone e a dar-lhe conselhos, assumindo-se publicamente como um defensor inabalável da agenda política presidencial.
O primeiro descontentamento de Trump com Bannon terá surgido no mês passado a propósito da eleição no Alabama. Bannon fez campanha por Roy Moore, o candidato republicano que perdeu a eleição para o Senado para um rival democrata. Ao apostar em Moore — um homem muito controverso e alvo de acusações de ofensas sexuais — Bannon arrastou o Partido Republicano e a Casa Branca para o apoio oficial ao candidato, conduzindo-os a uma derrota num estado onde um democrata não era eleito para o Senado há 25 anos.
As declarações de Bannon ao livro, cujo lançamento estava previsto para a próxima semana mas que foi antecipado para esta sexta-feira, são pois o fogo que marca a ruptura total e absoluta com Trump. E a fúria da Casa Branca não se fez sentir apenas verbalmente. Os advogados do presidente anunciaram que vão processar Bannon por ter violado o dever de sigilo de quem serve na Casa Branca e encetaram diligências para tentar impedir a distribuição do livro, alegando que só difunde mentiras e calunia o presidente.
Arranque de ano frenético
Mas mesmo antes deste caso, o novo ano já tinha arrancado frenético na Casa Branca. Logo pela manhã do primeiro dia de trabalho, Donald Trump disparou nove tweets para agitar as águas, após a paragem de férias de Natal.
Num deles pedia a prisão de uma ex-assessora de Hillary Clinton, que foi ilibada pela Justiça no caso dos emails da candidata democrata. Uma boa demonstração do respeito que tem pelo Estado de direito…
Noutro reclamava para si créditos por não ter havido acidentes da aviação comercial durante o ano de 2017, argumentando que tem sido muito restritivo quanto aquele sector. Um campeão da desregulação, Trump esqueceu-se, contudo, que propôs a privatização do controlo aéreo, que só não avançou porque o Congresso não permitiu.
Noutro disse que anunciará em breve os prémios do ano para os media “mais desonestos e corruptos”, numa espécie de Óscares pela negativa que, ao que parece, se prepara para patrocinar. “Mantenham-se atentos”, avisou.
Noutro acusava Obama de ter dado dinheiro ao “brutal e corrupto regime iraniano”. Obama nada deu ao Irão, obviamente. Verbas iranianas que estavam congeladas nos bancos graças às sanções internacionais foram descongeladas no âmbito do acordo sobre o nuclear iraniano, que foi assinado por mais cinco potências, além dos EUA.
Noutros dois ameaçava retirar as verbas de apoio ao Paquistão, por alegadamente não cooperar com os EUA na luta anti-terrorista, e à Palestina por não cooperar com Washington no processo de paz com Israel.
No tweet de maior impacto, Trump comparou o tamanho do seu botão nuclear com o do líder norte-coreano. Kim Jong-Un tinha dito que agora tem sempre em cima da secretária o botão nuclear, ameaçando os EUA e alcandorando a Coreia do Norte ao estatuto de potência nuclear. Talvez contagiado pelo regresso das crianças às aulas após o Natal em que comparam entre si o tamanho das prendas recebidas, Trump respondeu que o seu botão nuclear é muito maior, mais poderoso e funciona.
É provável que haja uma explicação freudiana para esta reacção, mas politicamente ela é grave e foi considerada irresponsável por inúmeros comentadores. Não só porque o presidente dos EUA não deve colocar-se ao nível do ditador coreano, mas sobretudo porque ela vem num momento em que Kim Jong-Un deu um sinal positivo propondo conversações com a Coreia do Sul. Foi o primeiro sinal após os vários testes nucleares realizados no ano passado e o único passo até agora que desanuvia a tensão na península asiática.
Além disso, a proposta de Kim visa discutir a participação de atletas norte-coreanos nas Olimpíadas de Inverno que arrancam em breve na Coreia do Sul. A eventual participação de atletas de Pyongyang na competição traz um grande alívio ao resto do Mundo, em particular aos EUA, que temiam uma eventual provocação norte-coreana durante a realização da prova.
Nos EUA estudava-se mesmo a hipótese de não enviar qualquer delegação a estas Olimpíadas. A presença de atletas norte-coreanos será a garantia de que os jogos decorrerão pacificamente. Não por acaso, a Coreia do Sul respondeu de imediato pela positiva, dizendo que estava disponível para conversações.
A reacção de Seul contrastou assim com a resposta de Trump, que, ao colocar-se no mesmo plano provocador de Kim Jong-Un, deitou mais uma acha para a fogueira do conflito coreano em vez de contribuir para a sua distensão.
E tudo isto no espaço de três horas, o tempo que Trump demorou a colocar os nove tweets no ar.