26 jan, 2018 - 09:00 • José Alberto Lemos, nos EUA
Donald Trump quis despedir o investigador especial Robert Mueller em Junho do ano passado, mas recuou quando o principal advogado da Casa Branca ameaçou demitir-se de funções.
A notícia foi revelada nesta quinta-feira à noite (já madrugada de sexta em Portugal), pelo New York Times, citando quatro fontes que pediram o anonimato.
O afastamento de Mueller, cuja equipa investiga um eventual conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, bem como eventuais obstruções à justiça cometidas pela Casa Branca, seria visto como um atropelo ao sistema de pesos e contrapesos da democracia norte-americana, um desrespeito pelo princípio da independência judicial, e teria um efeito político devastador para o presidente.
Isso mesmo terá feito sentir o principal advogado da Casa Branca à equipa presidencial, dizendo que o afastamento do investigador especial iria agravar as suspeitas na opinião pública de que Trump está a tentar esconder algo na questão do conluio com a Rússia. Donald McGahn, o advogado, disse aos colaboradores do presidente que não cumpriria a ordem de Trump e que, em vez de comunicar ao Departamento de Justiça para despedir Mueller, resignava às suas funções de causídico da Casa Branca.
McGahn acompanha Trump desde a campanha eleitoral e tem sido o principal conselheiro do presidente em questões legais. Esteve envolvido no despedimento do director do FBI, James Comey, em Maio passado. Foi justamente na sequência do afastamento de Comey, que o Departamento de Justiça decidiu nomear Robert Mueller como investigador especial para a questão da interferência russa na campanha.
A nomeação foi então feita pelo procurador-geral adjunto, Rod Rosenstein, porque o titular da pasta, Jeff Sessions, se tinha escusado das questões ligadas à Rússia por ter omitido contactos com o embaixador russo em Washington quando depôs no Senado. O auto-afastamento de Sessions deste dossier provocou a ira de Trump, que o atacou publicamente, chegando a dizer que se soubesse que ele ia afastar-se do caso não o teria escolhido para procurador-geral (equivalente também a ministro da Justiça no sistema americano).
Incomodado com a independência de James Comey à frente do FBI, a quem pediu para abandonar a investigação à conduta do seu então conselheiro de segurança nacional Michael Flynn, Trump despediu-o em Maio e confessou dois dias depois numa entrevista televisiva que o tinha feito por causa das investigações à interferência russa.
Mas perante a nomeação do investigador especial, o presidente quis prosseguir nesse caminho de afrontamento ao poder judicial e decidiu despedir também Robert Mueller. Só a firmeza do advogado McGahn terá feito Trump recuar, provavelmente ponderando as consequências políticas do acto.
Conflito em clube de golfe serviria para justificar afastamento
O presidente teria preparado três argumentos para afastar Mueller — três alegados conflitos de interesse. O primeiro dizia que Mueller teria tido há anos um conflito com um clube de golfe pertencente a Trump. O segundo que ele tinha trabalhado para uma sociedade de advogados que representou o seu genro, Jared Kushner. E o terceiro que ele tinha sido entrevistado recentemente para voltar a ser o director do FBI.
Aparentemente, o advogado da Casa Branca não considerou consistentes qualquer destes argumentos. O primeiro não foi nenhum conflito. Mueller enviou a certa altura uma carta ao clube de golfe a pedir a devolução de parte do dinheiro que tinha pago como sócio, um ajustamento que era prática corrente do clube. Não recebeu resposta e nunca mais voltou ao assunto. Os outros dois argumentos não têm qualquer validade.
A equipa de Robert Mueller, que já conduziu várias entrevistas com colaboradores de Trump, terá sabido da intenção do presidente de o despedir em Junho justamente através das entrevistas ao pessoal da Casa Branca, que depõe sob juramento. Esta intenção do presidente parece configurar uma tentativa de obstrução à justiça, um dos objectivos principais da investigação.
Ou seja, para além de tentar apurar se o despedimento do anterior director do FBI, James Comey, foi um acto de obstrução à justiça —tendo como intuito impedir a investigação ao caso da interferência russa —, a equipa de Mueller passou também a averiguar se a intenção de o afastar a si próprio configura a mesma conduta irregular.
Esta notícia surge numa semana pródiga em revelações ligadas à investigação à pista russa. Na quarta-feira, Trump resolveu dizer aos jornalistas, em declarações imprevistas e sem que alguém lhe tenha perguntado, que estava “desejoso” por depôr perante o investigador especial e que o faria sob juramento. Repetiu que nada tinha a temer quanto à investigação sobre a interferência russa na campanha eleitoral porque nada tinha feito de errado.
Palavras ditas na quarta-feira antes de partir para Davos, na Suíça, onde discursa no Fórum Mundial nesta sexta-feira. Palavras que, no entanto, deixaram os seus advogados inquietos, já que aparentemente não está ainda acordada com a equipa de Mueller a forma como decorrerá o depoimento do presidente. Por isso, no mesmo dia, um dos seus advogados, Ty Cobb, apressou-se a desvalorizar as afirmações de Trump, dizendo que ele falou “apressadamente” antes da partida para Davos e que continua empenhado em colaborar totalmente com a investigação e em falar com Mueller.
Advogados receiam pelo comportamento do Presidente
Segundo a imprensa americana, o receio dos advogados de Trump quanto ao seu comportamento perante o investigador especial é grande. A inconsistência habitual das suas declarações, as contradições permanentes em que cai, o seu carácter intempestivo, o seu temperamento sanguíneo, podem levá-lo a fazer afirmações altamente comprometedoras e que ponham em risco o mandato presidencial.
A equipa dos investigadores possui neste momento um conjunto de informações muito detalhado sobre os acontecimentos que levaram à interferência russa na campanha eleitoral e às acções de alguns colaboradores de Trump nesse âmbito. Confrontar o presidente com esses factos poderá deixá-lo “encurralado”, pondo-o perante declarações indesmentíveis de colaboradores ou ex-colaboradores seus.
Um desses colaboradores é o “ministro” da Justiça, Jeff Sessions, de quem se soube esta semana que já depôs no inquérito judicial. Fê-lo durante quatro horas e, presume-se, nada terá ficado por esclarecer, incluindo o teor dos contactos que teve com o embaixador russo em Washington antes e depois das eleições e que parcialmente omitiu ao Senado.
O outro responsável recentemente ouvido pela equipa de investigação foi James Comey, ex-director do FBI, afastado por Trump em Maio do ano passado. Recorde-se que Comey testemunhou no Senado, na sequência do seu despedimento, e revelou as pressões que o presidente tinha exercido sobre ele na questão da investigação à interferência russa.
Neste caso, foi o próprio Trump que confessou que o tinha afastado do cargo por causa da investigação à Rússia, uma afirmação que dá consistência à tese de que houve obstrução à justiça.
Com a intenção de afastar também Robert Mueller, agora conhecida publicamente, são já dois casos de grande impacto que os investigadores têm entre mãos. Num comentário à CNN, o democrata Mark Warner, que pertence à Comissão de Intelligence do Senado, afirmou que “despedir o investigador especial é uma linha vermelha que o presidente não pode ultrapassar”.
“Qualquer tentativa para o remover, perdoar a testemunhas-chave ou interferir na investigação seria um grosseiro abuso de poder e todos os membros do Congresso, de ambos os partidos, têm a responsabilidade perante a Constituição e perante o país de o tornar imediatamente claro”, alertou o senador.
O ambiente em torno da eventual conspiração com a Rússia na campanha eleitoral adensa-se na Casa Branca de dia para dia. E não há tweet de Trump que perturbe o andamento da investigação da equipa de Robert Mueller.