27 set, 2018 - 00:18 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Foi uma espécie de discurso anti-Trump aquilo que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fez esta quarta-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Sem nunca nomear o presidente americano nem a sua política externa, todo o discurso de Marcelo foi centrado na refutação de uma visão unilateralista do mundo e em defesa do seu contraponto multilateralista. E neste aspeto não poupou nos epítetos e deu alguns remoques ao discurso de Trump feito na véspera no mesmo fórum.
O Presidente português classificou o unilateralismo como uma “visão de curtíssimo prazo”, um “fogo fátuo”, uma “miopia política”, caraterizado por uma atitude protecionista, negacionista do ambiente, contrária às migrações e que só presta atenção aos conflitos quando tem interesse direto neles — mais económico do que político. Chamou-lhe mesmo “minilateralismo”, apoucando-o.
Por contraponto, Marcelo definiu a visão multilateralista como aquela que procura a governação global, que se empenha no desenvolvimento sustentável, que respeita o direito internacional, que preza a Carta dos Direitos Humanos, que valoriza o diálogo como meio de resolução dos conflitos e a cooperação como a melhor forma de resolver os problemas do mundo.
Situando Portugal como um país entusiasta desta visão — que “não muda com modas nem protagonistas de curto prazo” — o presidente português não perdeu a oportunidade para assegurar que o nosso país “apoia sem reservas” o novo Pacto para as Migrações Seguras, iniciativa das Nações Unidas à qual Trump disse ontem que os EUA não aderirão. Noutro remoque ao seu homólogo americano, Marcelo reiterou o compromisso de Portugal com o Tribunal Penal Internacional, que defendeu como instituição que deve tender para a universalidade. Na véspera, Trump tinha atacado o tribunal, garantindo que os EUA jamais aceitarão a sua jurisdição.
O multilateralismo como “o único caminho” para resolver os grandes problemas globais, que requerem “bom senso diplomático” foi, pois, o mantra da intervenção de Marcelo. Mantendo-se nos cânones diplomáticos genericamente aceites, dificilmente o presidente português poderia ter ido mais longe na denúncia da visão unilateral para o mundo. Que responsabilizou pelos desastres ocorridos há cem anos com a Sociedade das Nações.
Na defesa do multilateralismo, o presidente deu o exemplo da União Europeia como o maior sucesso histórico dessa visão do mundo e de Portugal como entusiasta da mesma, já que além da UE integra a NATO e a CPLP, duas entidades que resultam justamente de uma opção multilateral dos respetivos países.
Em total solidariedade com António Guterres, que veio à mesa da presidência para assistir ao discurso, Marcelo exprimiu a sintonia de pontos de vista entre o nosso país e a visão do secretário-geral da ONU, que por tabela entra assim em colisão clara com a de Trump. Marcelo subiu à tribuna da Assembleia Geral logo a seguir ao presidente polaco, um dos poucos líderes internacionais em sintonia com Donald Trump. Que na véspera proclamou a sua rejeição da “ideologia do globalismo” e a defesa da “doutrina do patriotismo”. Mas, como lembrou Marcelo na sua intervenção, Guterres tinha dito numa receção aos chefes de Estado presentes em Nova Iorque para esta 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas que o verdadeiro patriotismo e aquele que se completa com o cosmopolitismo.