23 set, 2019 - 07:30 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
A Cimeira da Ação Climática que decorre esta segunda-feira na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, é a iniciativa mais relevante de António Guterres nestes quase três anos como secretário-geral da organização e vai marcar seguramente o seu mandato. A luta contra as alterações climáticas é a sua grande aposta, o seu maior combate, o tema que pode vir a definir, no futuro, o sucesso ou insucesso da sua passagem pela liderança da ONU.
Houve, no passado, secretários-gerais cujo mandatos ficaram marcados por terem contribuído para acabar com conflitos entre países, ou por terem resolvido situações de autodeterminação de países, ou por terem acabado com guerras civis. Tudo problemas “regionais”, localizados, importantes seguramente, mas nenhum com o cariz global das alterações climáticas.
Por isso, a aposta de Guterres é a mais arriscada de todas. Porque é a primeira que é autenticamente global e, por definição, aquela que envolve mais países e mais incertezas.
A cimeira decorre de um sentido de urgência que o secretário-geral tenta transmitir a todo o mundo. Numa entrevista dada na semana passada, Guterres não hesitou em dizer que o cumprimento das metas do Acordo de Paris estava em risco porque os países signatários não têm avançado com as medidas a que se comprometeram.
É essa preocupação iniludível com o ritmo de implementação do acordo que esteve na origem desta cimeira, que decorre na véspera da habitual Assembleia Geral da ONU. Ela visa justamente impor o tema do aquecimento global como o grande assunto da reunião anual dos chefes de estado e de governo do mundo, não só na tribuna dos oradores, mas também nos corredores do Palácio de Vidro.
Um experiente diplomata americano confessava há dias que sentia sempre uma discrepância entre o que diziam os oradores na tribuna e as conversas dos corredores. Este ano talvez não seja assim, porque Guterres traçou um plano arguto para o conseguir. Em vez de ser ele e o próprio aparelho da ONU a pressionar será a sociedade civil a fazê-lo.
No sábado reuniu a cimeira dos jovens que abriu caminho à discussão sobre o clima e nesta segunda-feira a jovem sueca Greta Thunberg e um jovem indiano subirão ao palco para alertar os responsáveis políticos para a situação. Alguns destes jovens ativistas andarão pelos corredores a conversar sobre o tema com presidentes e governantes.
E na tribuna falarão também alguns dos gestores e empresários mais conhecidos do mundo, como Michael Bloomberg e Jeff Bezos, entre outros. O dono da Amazon comprometeu-se na semana passada a comprar 100 mil veículos elétricos e antecipar em dez anos as emissões zero de carbono da empresa. Estes gestores serão ouvidos por todos num apelo comum a que se avance com mais determinação no combate ao aquecimento global.
É a sociedade civil convocada por Guterres a dizer aos responsáveis políticos que é urgente tomar medidas mais eficazes e que é isso que eles estão fazer entretanto ao nível das suas empresas e da sua esfera de influência. E as regras para cada intervenção são claras: cada um tem dois/três minutos para dizer quais são as medidas que adotou ou vai adotar e quando.
Regras que se aplicam também aos presidentes e primeiros-ministros que subirem à tribuna. Serão cerca de 60 que terão de dizer o que fizeram, estão a fazer, ou quando vão fazer, os respetivos países para cumprir as metas de Paris. Evitar retórica bonita, mas vazia, e comprometer cada um com aquilo que assumiu perante este forum mundial.
Responsabilizar os políticos perante a opinião pública internacional é o objetivo e foi isso mesmo que Guterres incentivou os jovens a fazer no sábado passado. Prestar contas e assumir compromissos concretos. É isso que se espera que faça também o presidente português. Marcelo Rebelo de Sousa subirá à tribuna para falar de resiliência para o futuro e fá-lo-á numa posição relativamente cómoda, já que Portugal parece estar em linha com as metas de Paris.
Guterres faz assim uma espécie de adjudicação à sociedade civil e aos líderes de opinião, um “outsourcing”, para que sejam eles a alertar e a pressionar os decisores políticos e a dar o exemplo neste combate que reputa urgente.
Bastará este esforço para mudar a atitude de muitos governos? É duvidoso, claro, muito duvidoso. Sobretudo porque os Estados Unidos não participam na cimeira e nos últimos anos têm feito o caminho inverso.
A administração Trump tem revogado várias normas regulatórias sobre níveis de poluição em vários setores que tinham sido aprovadas pelo presidente Obama. É o caso das indústrias metalúrgica, mineira, automóvel ou petrolífera. No caso da indústria automóvel, os próprios construtores discordaram publicamente da decisão de autorizar maiores níveis poluentes nos novos carros. E ainda na semana passada, Donald Trump abriu uma guerra judicial com a Califórnia por manter restrições às emissões de carbono maiores do que os outros estados.
No entanto, há vários estados americanos que se farão representar nesta cimeira, numa demonstração de claro desafio a Trump e de reafirmação da sua jurisdição sobre questões ambientais. Se a Casa Branca nega o aquecimento global, muitos estados norte-americanos assumem publicamente o seu compromisso com as metas de Paris.
Naturalmente que o exemplo que vem de Washington é desencorajador. E justifica muito do ceticismo em torno deste combate global. Se o maior poluídor do mundo nada faz para mitigar a situação porque hão-de os pequenos poluidores apressar-se, argumentam alguns.
É contra este ceticismo que Guterres milita. Para ele, é preciso agir apesar do que faz Washington atualmente, porque todos os outros se comprometeram com as metas de Paris e a pressão internacional acabará por fazer o seu caminho e ter os seus efeitos.
No curto prazo, claro, a sua esperança reside numa outra meta, mais próxima, mais alcançável: novembro de 2020. A data das eleições presidenciais americanas…